Um escritor esquecido

 



Num projeto de escrita de uma contra-história da literatura brasileira, baseado num livro de filosofia de Michel Onfray, eu dedicaria algumas páginas ao escritor José Geraldo Vieira. Considerado um dos grandes de sua época, teve o azar de ser criticado por Antonio Candido (por achar seu romance burguês em demasia e grande demais) e elogiado por Álvaro Lins (com muitos reparos, inclusive sobre o número de páginas) e Wilson Martins. Por isso, em que pese merecer um capítulo na “História concisa da literatura brasileira”, de Alfredo Bosi, hoje está esquecido. A reedição de suas obras recentemente por uma editora desconhecida, a Descaminhos, não conseguiu trazer seu nome à baila, o que talvez se explique também por elogios de uma figura malquista no âmbito cultural, Olavo de Carvalho, o anti-Midas, que chegou a chamá-lo de maior escritor brasileiro.

Leituras ideológicas fazem mal para a Literatura. Não ler alguém por ser de direita ou esquerda é algo que deveria estar fora de cogitação num tipo de arte que justamente tem que quebrar paradigmas (o próprio Antonio Candido diz isso em sua crítica ao autor). O mesmo dá para se dizer do escritor que afirma escrever empunhando uma bandeira. A Literatura só tem a perder.

Inconscientemente, demorei para ler José Geraldo Vieira talvez por esses motivos, pois seus livros nunca eram citados por ninguém, isso porque ele não seguiu o regionalismo do romance de 30 e criou uma obra mais cosmopolita, ambientando seus enredos em países da Europa, o que o aproximaria de Hemingway, não fosse a prolixidade de sua escrita estar distante da síntese do autor de “Adeus às armas”. Ele nada tinha a ver com os Ramos, Amados (este mais prolixo) e Regos da vida.

Como bem lembrou Álvaro Lins, José Geraldo Vieira inseriu, em “A quadragésima porta”, ensaios dentro da ficção, hoje comum nas narrativas pós-modernas. Me chamou a atenção no mesmo romance outros registros, como as cartas, sendo que um capítulo todo é epistolar, recurso bem arquitetado para resumir muitos anos no enredo. As citações de obras de cinema, pintura, teatro, dança, literatura, mostram a erudição do autor e de seus personagens, que participam de eventos culturais da elite parisiense das primeiras décadas do século XX.

Como alguns de seus pares que formaram o romance de 30, do qual ele está distante tematicamente, Vieira também conta a história de uma família patriarcal que enriquece com o trabalho no campo, porém em Portugal, mas que amplia seus investimentos em várias partes do mundo, inclusive no Oriente. Um dos investimentos é uma agência de notícias, a “DU”, que, por estar na linha de frente na Primeira Guerra Mundial, na Revolução Russa de 1917 e na Guerra Civil espanhola, consegue se tornar uma das mais importantes do mundo, decaindo durante a Segunda Grande Guerra. São seus proprietários, jornalistas e repórteres, os protagonistas da história, com destaque para o jovem Albano, que recebe o mesmo nome de seu avô, o patriarca, e que se apaixona por uma brasileira, a quem persegue em diversos pontos da Europa, caindo, por isso, numa extrema depressão.

Gosto do “romanção”, o “romance total”, que abarca tudo, é caudaloso, com número elevado de páginas, muitas delas monótonas (como grande parte da vida) e aparentemente descartáveis, mas esse tipo de romance não dá muito certo no Brasil, uma porque as pessoas têm preguiça de ler, outra porque até os críticos e os “influenciadores” consideram a síntese algo fundamental, que se deve cortar os adjetivos e tudo o que é supérfluo. O pessoal não critica até “textão” no Facebook? Tenho certeza de que essa gente não leu esta resenha até o final. E são esses que definem o que devemos ler ou não.

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