Admirável velho mundo
Quando se
fala em política e o endeusamento que se faz de alguns líderes, seja de direita
ou de esquerda, esses versos de uma canção de Zé Ramalho sempre vêm à tona:
“Povo marcado, povo feliz”. O título da música, “Admirável gado
novo”, é inspirado no romance “Admirável mundo novo”, do britânico
Aldous Huxley, de 1932 (por aqui, é publicado pela Biblioteca Azul, selo da
Editora Globo). Faz parte, junto com “1984”,
de George Orwell, e “Fahrenheit
451”,
de Ray Bradbury, da tríade de romances distópicos (histórias que acontecem em sociedades no
futuro em que a condição humana é cruel) muito lidos durante a pandemia do
coronavírus.
O enredo da obra se passa em um tempo
futuro, em que as pessoas nascem em laboratórios, tendo seus genes
condicionados para assumirem determinadas funções dentro da sociedade. Depois,
sofrem também um condicionamento psicológico. Isso tudo para que cada “cidadão”
se torne aquilo que os governantes querem que ele seja. Todas as suas ações
serão de acordo com as regras já estipuladas, desde as compras, o trabalho,
passando pelos relacionamentos, o tipo de divertimento e até a droga que deve
ser usada. Mesmo controladas, as pessoas se sentem felizes, pois nunca são
ensinadas a ter pensamento próprio. Fazer parte do rebanho, ser uma ovelhinha
feliz, pronta para ser devorada pelo lobo, é com isso que as pessoas estão
acostumadas. “Lá fora faz um tempo confortável/A vigilância cuida do
normal”, diz outros versos da música de Zé Ramalho.
O livro também inspirou a cantora Pitty
a compor “Admirável chip novo”, dessa vez comparando as pessoas a robôs
programados para pensar e consumir de acordo com o sistema: “Pense,
fale, compre, beba/Leia, vote, não se esqueça/Use, seja, ouça, diga.../Não
senhor, Sim senhor/Não senhor, Sim senhor”. Quando um robô descobre que não
era humano (“Até achava que aqui batia um coração/Nada é orgânico, é
tudo programado/E eu achando que tinha me libertado”), logo alguém vem para
reinstalar a programação e a ameaça à sociedade é evitada, tudo volta ao
normal. A TV fazia esse papel de condicionar as pessoas a seguirem padrões.
Agora, são as redes sociais da internet que nos conduzem, mudam nosso comportamento,
nos dizem o que pensar, o que fazer, o que vestir, contra o que protestar, a
quem defender, a quem ofender e condenar, no que acreditar e no que duvidar. Mesmo
se dissermos não para algo, não o fazemos por livre iniciativa. Somos
condicionados pela bolha da qual fazemos parte. Tudo que não pertence a essa
bolha não presta.
Como escreveu o filósofo Nietzsche, nós, seres humanos, possuímos “o instinto do animal de rebanho”. A felicidade para nós “aparece sob a forma de estupefação, de sonho, de repouso, de paz, numa palavra, sob a forma passiva”, como escreveu o poeta brasileiro Waly Salomão, em “Me segura qu’eu vou dar um troço”. No entanto, estamos deixando justamente a condição de humanos quando nos deixamos ser levados para ser abatidos, condicionados a agir conforme o sistema (seja o de televisão, dos governos ou da web) ou programados como robôs para servir. Como canta a banda Iron Maiden, em outra música inspirada pelo romance de Aldous Huxley: “Você é planejado e está condenado/Nesse admirável mundo novo”.
Mas será que
este mundo é realmente novo?
Cassionei Niches Petry – professor.
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