Retorno à inocência

 



 

Um dos aspectos do movimento artístico denominado Romantismo era o retorno ao passado, numa tentativa de idealizar períodos idos, afirmando que tudo antes era bom, em contraponto a uma realidade dura e cruel. O passado revisitado poderia ser o histórico, portanto coletivo, ou a infância, no plano individual. “Oh! Que saudades que tenho / Da aurora da minha vida, / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!”, escreveu o poeta Casimiro de Abreu.

Frente a tudo de ruim que acontece nos dias atuais, há sempre alguém para dizer que “antigamente era melhor”, “no meu tempo não era assim”, “a gente era feliz e não sabia”. Uma simples leitura nos livros de História, porém, nos mostra que não é bem assim. O ser humano é mau e não é de agora. Polarizações políticas sempre aconteceram. Notícias falsas sempre existiram. O cancelamento idem. A violência vem da pré-história. Ler as tragédias gregas, escritas há mais de dois mil anos, nos mostra quem somos agora.

É que hoje, porém, a internet escancara de forma mais rápida nossa essência, expõe nosso lado mais obscuro, é amplificador de quem antes só vociferava na frente da TV sem ninguém além da família para ouvir, ajuda os idiotas de lugares diferentes a se encontrarem virtualmente e se unirem para destruir reputações, como se eles fossem exemplos de virtude. “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”, como afirmou o escritor italiano Umberto Eco, autor de “O nome da rosa”, profundo conhecedor da Idade Média, mas também da atualidade. Infelizmente, ele morreu em 2016, sem poder ver que a legião só aumenta.

O clipe da canção da banda Enigma, “Return to innocence”, mostra toda a vida de um camponês de forma inversa, desde sua morte voltando até o nascimento, simbolizando a volta à inocência. É como se, ao voltarmos a ser criança, recomeçássemos tudo, com o olhar de quem ainda não conhece os perigos dessa vida. Viveríamos uma vida diferente, caso pudéssemos renascer? Nietzsche, com seu conceito de eterno retorno, nos faz pensar que não, pois faríamos tudo o que fizemos, sem tirar nem pôr. Daí a sensação de “déjà vu” que nos acomete. Nós já vivemos aquele instante, estamos apenas repetindo-o, igualzinho, e algum resquício de memória ficou no subconsciente.

Não podemos fazer nada, então? Tudo já está escrito? Bem, tudo é teoria e ironia. Não se deve levar ao pé da letra. Na prática, basta agir diferente, porém sem esperar que possamos, seres humanos falhos que somos, mudar para melhor. Quando não temos esperança, nos frustramos menos e, por consequência, nos aproximamos da felicidade. Sigo a máxima do poeta francês Nicolas Chamfort: “Felizes o que nada esperam, nunca serão desiludidos”. Vem dando certo. Espero que continue. Ao mesmo tempo, entretanto, ouço a voz de um “filósofo” contemporâneo: “Sabe de nada, inocente”.

Cassionei Niches Petry – professor

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