Diário crônico: O drama do homem moderno: a gripe
Crédito da imagem: Revista Abrale.
Diário crônico, uma crônica diária, por Cassionei Niches
Petry (V)
O drama do homem moderno: a gripe
"Ah, quando o
homem está doente faz um drama!", diz minha esposa e com razão. Uma gripe
forte, febre, dor no corpo, principalmente nas costas, derrubam o homem. O pior
é a tosse, aquela tosse que faz doer ainda mais o corpo. Há algo, no entanto,
ainda pior: se engasgar com a tosse. Foi o que aconteceu comigo.
Por que estou
escrevendo isso? Qual a relevância de um assunto como esse? O prezado leitor há
de convir que o cronista se alimenta justamente de coisas prosaicas da vida.
Lembro-me do pé de milho que gerou uma das mais belas crônicas de Rubem Braga,
mestre do gênero. Tudo é matéria para a crônica, das coisas engraçadas às
trágicas. Minha tosse entra nesta última categoria.
A primeira tosse
que quase me engasgou aconteceu ao meio-dia de ontem. Uma tosse intermitente se
somou a uma resistência do corpo que a impedia de sair. Parecia que havia um
osso entalado na garganta, o ar não entrava nos meus pulmões, a tosse não saía.
Um pequeno momento de agonia que terminou, mas viria a se intensificar à noite.
À tarde postei nas
redes sociais: "O legal é você pegar uma gripe forte durante as férias.
Uma salva de palmas para a vida!" Sim, que maravilha é a vida. Há quem a
considere linda, maravilhosa. Porém, quando mais precisamos de suas benesses,
ela falha, no deixa na mão. As leituras programadas, as crônicas a serem
escritas, o conto a ser terminado, o romance a ser mais uma vez iniciado, tudo
isso se esfumaça com uma gripe. Perde-se a vontade de se fazer o que se queria
fazer. E "o tempo voa, escorre pelas mãos".
A segunda tosse
intermitente aconteceu à noite. Deitado, assistindo ao filme Forrest Gump, mas
não por causa dele, a forte tosse voltou e com ela aquela sensação de engasgar,
perder o ar, uma agonia tremenda, uma sensação de que se vai morrer (não tem razão
a minha esposa? Que drama!), lágrimas caem dos olhos, há um momento de alívio,
porém a tosse volta empurrando o ar para fora, o ar de fora tampouco entra...
Graças à esposa e à filha, preocupadas com o drama do homem moderno, a tosse
passa, o carinho me acalma, o riso toma o lugar do choro (foi o parceiro de
Forrest, elencando as diferentes formas de se preparar camarão, que me fez
rir). Mas o homem dramático segue de vez em quando gemendo.
Não sou um homem
doente como a personagem de Dostoiévski, mas estou doente. "Com advento do
cristianismo", de acordo com Susan Sontag, "(...) a noção da doença
como punição gerou a ideia de que a doença podia ser um castigo especialmente
adequado e justo." A julgar pelas minhas heresias, estou recebendo um
castigo divino. Não vou, porém, clamar a nenhum deus para que melhore. Um
paracetamol aqui, uma pastilha efervescente ali, um xarope acolá e logo, logo
estarei bom. Aliás, se estou escrevendo esta crônica, é porque estou melhor.
Azar é o de vocês.
(Crônica que escrevi em 2015, quando, obviamente nem pensávamos que viveríamos numa pandemia.)
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