Diário crônico: Quem sou eu (descaradamente plagiando Leon Eliachar)
(Fonte da imagem: Catálogo das Artes)
Diário crônico, uma crônica diária, por Cassionei Niches Petry (IV)
Quem sou eu (descaradamente plagiando Leon Eliachar)
Sou Cassionei Niches Petry, 41 anos (escrevo de propósito esta pequena
autobiografia dias antes de completar 42 anos, para parecer mais novo),
trabalho como professor, pois nenhuma outra profissão me aceitou. Cabelos ainda
tenho, começando a rarear e clarear, olhos não sei de que cor, altura alguma
coisa entre 1,60m e 1,69m, peso entre 1kg e 105kg. Uso óculos de lentes grossas
(que aumentam consideravelmente os números da balança), tenho miopia e um pouco
astigmatismo, os graus eu não lembro e não encontro a receita do
oftalmologista, que ainda por cima escreveu com letra pequena, sacaneando o
paciente. Quando nasci, a família morava num porão de um CTG, portanto vim ao mundo
com o peso da tradição gaúcha sobre mim, mas bah!, logo me livrei, tchê!, e
hoje sou um cidadão do mundo que nunca saiu da sua cidade, Santa Cruz do Sul,
cidade inapropriada para um ateu viver. Tenho uma união estável com a mulher
que me incentivou a continuar estudando e por isso me livrou de ser um rapper
sem sucesso e ainda, o melhor, me deu uma filha, por sorte mais bonita e
inteligente do que o pai. Prato predileto o prato fundo, de preferência com
bastante carne de churrasco. Gosto de ler livros, ouvir música lendo livros,
assistir à TV lendo livros, comer lendo livros e navegar na internet em busca
de livros. Escrevo algumas coisas que chamei de contos e romances e algumas
pessoas acreditam que são mesmo, chegando a dizer que sou escritor e, como sou
do contra, digo modestamente, “não, não, que é isso, sou só um escrevinhador”.
Queria escrever crônicas de humor, como as de Luis Fernando Verissimo, Millôr
Fernandes, Stanislaw Ponte Preta e Leon Eliachar, mas como não tenho esse
talento, pratico o plágio descarado desses autores, sem a mesma qualidade, é
claro (é agora que o leitor comenta, “não, que é isso, você tem muito talento”).
Na política, sou um “em cima do muro” assumido, vendo os dois lados discutindo
e jogando pedras uns nos outros, mas quem é atingido sou eu, por não ter lado
(aliás, como sou barrigudo feito uma bola, tenho dois lados, o dentro e o de
fora). Sou uma metamorfose ambulante que muda de opinião a todo o instante, mas
não deixo de opinar democraticamente sobre as coisas relevantes do país, como
por exemplo, se se deve pôr o feijão por baixo ou por cima do arroz e afirmo: é
lógico que é por baixo, quem pensa diferente deve ser fuzilado ou enforcado. No
futebol, sou colorado não praticante, já assisti masoquistamente a todos os
jogos do Internacional, mas hoje é mais emocionante assistir na TV de madrugada
aos pastores da Universal exorcizando demônios. Já disse que sou ateu, mas
tenho santos de devoção: São Kafka, São Cortázar e São Machado de Assis (este
último é a prova de que santo de casa não faz milagre e que nascer no Brasil é
uma merda). Tenho uma visão trágica e pessimista da vida, acredito que o ser
humano não tem solução (inclusive eu, claro, pois sou um ser humano, até alguém
me cortar e ver os fios e os mecanismos internos que mantêm aqui), que não existe
esperança (pelo menos não para nós, como escreveu Kafka, ops, São Kafka, amém)
e não acredito e nem quero que exista vida além da morte (imagina ter que me
aguentar a mim mesmo durante toda a eternidade). Por último e não menos
importante, quero ser cremando quando morrer e que minhas cinzas sejam jogadas
no vaso sanitário ou no lixo mesmo, mas se eu tivesse uma lápide, gostaria que estivesse
escrito nela:
AQUI JAZ CASSIONEI
LEU DURANTE TODA A
VIDA,
MAS NÃO PODE LER
ESTE EPITÁFIO.
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