Nota de leitura sobre um conto de Poe

 



 

“A carta roubada”, de Edgar Allan Poe, é uma narrativa impressionante, embora mal escrita. É muita pretensão de minha parte, escrever isso, eu sei, no entanto Poe encheu muita linguiça, na ideia de dar certa extensão à narrativa, de acordo com preconiza em sua “Filosofia da composição”. Ainda assim é um bom conto, cujo protagonista é mais uma vez Auguste Dupin, personagem de “Os assassinatos da Rua Morgue”, um detetive que, sem nenhum esforço, consegue solucionar os mistérios nçao solucionados pela polícia. Sem revelar muito para quem pode ter o prazer de ler o relato pela primeira vez, vale dizer apenas que no lugar mais fácil se pode encontrar o objeto perdido. Em outras palavras, ditas pelo próprio Dupin, “a solução pode passar despercebida por ser evidente demais”. Lacan, no famoso “Seminário sobre ‘A carta roubada’”, reproduzido no livro “Escritos”, diz: “descobrimos a pista onde ela nos despista”. O prestidigitador consegue fazer suas mágicas dessa forma, fazendo-nos prestar atenção em algo para que não enxerguemos o truque, que muitas vezes está na cara do espectador. Só não vê quem não quer, ou melhor, quem é despistado.

Pensando aqui comigo, alguns políticos sabem usar dessa malandragem, fazendo com que seus eleitores prestem atenção e aprovem algumas realizações supostamente relevantes, enquanto escamoteiam, mas somente para esse mesmo eleitorado, atitudes condenáveis, como a corrupção. São aplaudidos por isso. E são chamados de mitos. A propósito, a carta na história de Poe foi roubada por um ministro para obter vantagens políticas.

Por outro lado, a carta é, podemos dizer assim, roubada pela segunda vez. Não vou dizer aqui por quem. Então a qual roubo o título se refere especificamente? Quem a “desviou” realmente?

Outro fator importante no conto é a figura do narrador, amigo anônimo de Dupin. É por ele que sabemos das descobertas do detetive, tal qual Dr. Watson, mais adiante, o faria em relação a Sherlock Holmes. É uma forma de enaltecer a genialidade do protagonista. Um personagem secundário que presencia os fatos e os conta ao leitor, além de reproduzir as histórias contadas pelo próprio Dupin, como a do menino que ganhava apostas de bola de gude.

O crítico Álvaro Lins, em ensaio sobre o romance policial publicado em O relógio e o quadrante, afirmou que, por ter como pioneiro Edgar Allan Poe, o gênero “pode ostentar assim uma origem realmente nobre: o seu iniciador era um poeta com as qualidades imaginativas e intelectuais de um gênio”.

(Cassionei Niches Petry)

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