Nada é o que parece ser

 


Impossível não associar os personagens de O homem da forca com a escritora Shirley Jackson e seu marido. Stanley Edgar Hyman empresta características e a profissão ao sr. Arnold Waite, crítico literário e professor, que recebe em sua casa visitas para saraus literários. Já Shirley se desdobra na sra. Waite e na filha, Natalie. A primeira, dedicada ao lar, prepara contrariadas os comes e bebes para os encontros literários, acha o marido preguiçoso e aconselha a filha a não ter um casamento infeliz, como o dela, que deixa de viver a sua vida para viver a do esposo. Nat, por sua vez, tem uma imaginação fértil e escreve, mostrando a seu pai suas criações que são tarefas solicitadas por ele, que não se furta de criticá-las impiedosamente.

Todas as informações de como era a família da autora constam na sua biografia, em suas cartas, que estão sendo publicadas nos EUA, e no filme Shirley, lançado no ano passado, que conta sobre alguns anos de sua vida, boa parte durante o processo criativo de O homem da forca.

Inspirado em um caso real, o romance, publicado em 1951, o segundo de Shirley, tem como protagonista a jovem Natalie, de dezessete anos, que está perto de ingressar na faculdade. Vê nisso, uma oportunidade de se livrar da família, caso não fracasse e decida desistir dos estudos. Mas antes, participa pela última vez da festa promovida por seu pai. E nesse pequeno evento que acontece algo que nunca ficará bem claro ao leitor: ela é levada por um dos convidados ao meio das árvores da propriedade e, ao que parece, há um abuso sexual. No entanto, ficamos na dúvida: isso aconteceu mesmo? Ou tudo é fruto da mente da personagem, que mantém um diálogo com um detetive que também não existe e que a considera suspeita de um assassinato.

Logo vemos Natalie na universidade só para mulheres, morando no próprio campus, mantendo conversações com o professor de inglês que também tem veleidades literárias. Nat, inclusive, questiona: “por que todo mundo diz que vai ser escritor? Se não é? Digo, por que o senhor e o meu pai e todo mundo diz ‘ser escritor’ como se fosse uma coisa diferente? Diferente de tudo? Tem alguma coisa de especial nos escritores?” Acompanhamos a adaptação dela ao novo ambiente, a amizade estranha com as colegas e com a esposa e ex-aluna do professor, as bebedeiras, os ciúmes.

É na universidade que conhece também uma menina chamada Tony, que também não sabemos se é real ou fruto mente fértil de Natalie: “Se eu estivesse inventando este mundo...” Com Tony, Nat entrará numa viagem bizarra pela cidade, num ônibus peculiar, com estranhos passageiros.

O homem da forca é um romance em que nada e tudo acontece ao mesmo tempo. O leitor espera a todo momento alguma reviravolta, a resolução dos mistérios (o que houve naquele domingo antes da partida para a universidade?), uma explicação plausível para o título (o bonequinho do trapézio não convence o leitor) e resposta para a pergunta: quem é Tony? Ou então, quem é realmente Natalie?

“Talvez — e este seu pensamento mais insistente, a ideia que permanecia com ela e vinha de repente para perturbá-la em momentos bizarros, e para confortá-la — imagine, na verdade, que ela não fosse Natalie Waite, universitária, filha de Arnold Waite, uma criatura de destino intenso e fascinante; imagine que fosse outra pessoa?"

Resenha sobre Sempre vivemos no castelo: https://cassionei.blogspot.com/2019/09/coluna-no-jornal-arauto-deste-final-de.html


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