O grande miniconto de Augusto Monterroso

 


https://cronicascariocas.com/cultura/literatura/o-grande-miniconto-de-augusto-monterroso

O professor se sente orgulhoso quando consegue despertar o interesse dos alunos com um texto literário. Vê-los discutindo entre eles uma obra, mesmo que um simples conto, afasta por alguns instantes o pessimismo do mestre, pelo menos deste que vos escreve, que deixou de nutrir esperanças no ser humano (ele incluído). O milagre foi operado por aquele que é considerado, embora não seja, o menor conto do mundo, “O dinossauro”, do escritor guatemalteco Augusto Monterroso:

“Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.”

Ah, então está explicado, o conto é curto, o aluno não precisou gastar muito de seu precioso tempo para lê-lo. É pá e pum e volta para o celular! Pode ser, mas o professor solicitou que respondessem algumas questões e imaginassem o antes e o depois da curta história. E eles responderam. E eles imaginaram. Alguns com bons e outros com maus resultados, é óbvio. Mas também discutiram sobre suas respostas e pediram a opinião do professor e se questionaram se estavam certos ou errados. Ah, foi uma vitória para este professor sofredor.

Sobre o conto (miniconto, microconto, frase) de Monterroso, publicado no seu primeiro livro, ironicamente intitulado “Obras completas (y otros cuentos)”, de 1959 (sem tradução por aqui), tenho uma leitura pessoal. Ela vai ao encontro de estudiosos da obra como Lauro Zavala, que organizou um volume com variações sobre o texto, no entanto, tem a ver com experiências que tive na infância, imagens que até hoje estão nítidas nas minhas retinas tão fatigadas. Se pensarmos em quem é o protagonista, podemos dizer que é uma criança que estava dormindo. Ao acordar, deparou-se com um dinossauro ao lado da sua cama. Acontece que ele ainda estava lá, portanto já estava ao seu lado antes do sono. Seria um “dino” de brinquedo? Talvez ele tenha sonhado que o haviam roubado e, quando acordou, sentiu alívio por não tê-lo perdido. Penso, porém, que o menino possa ter sonhado com um dinossauro monstruoso e, despertado com o susto, sua mente ainda projetava a imagem do animal a seu lado. Eu já sonhei duas vezes e vi as imagens dos sonhos como se fossem materializadas ao lado da cama. Num desses pesadelos, minha irmã perdia um dedo, mordido por um cavalo. Abri os olhos, assustado, e ela estava lá, na beirada da minha cama, com um curativo no dedo. Em outra noite, meu avô e seu cachorro, o Veludo, avançavam em minha direção, ambos com dentes enormes, o vô parecendo um vampiro. Despertando, os dois estavam lá, a mesma imagem vista no pesadelo.

Há outras leituras, desde análises acadêmicas até história em quadrinhos, que enriquecem o conto, como a interpretação de que o dinossauro representa os políticos antigos e ultrapassados que nos governam e permanecem no poder durante anos. Um ditador talvez. O protagonista, ou a protagonista, pode ser uma prostituta que, ao acordar, se depara com um homem com aparência nada agradável, roncando ao seu lado na cama. O dinossauro pode simbolizar os problemas, as preocupações, as dívidas, as dores de cabeça, a folha em branco do escritor. Pode-se usar da psicanálise, da religião, da filosofia, de todas as áreas do conhecimento para o leitor preencher a elipse do conto. Pode-se lê-lo com um conto realista ou fantástico, quiçá uma fábula. O que não se pode é ficar indiferente a sua leitura. Nem mesmo se pode deixar de ler e reler dezenas, centenas de vezes e sempre se pode encontrar novas interpretações.

No meu primeiro livro, “Arranhões e outras feridas”, escrevi uma variação sobre o relato: “Quando abriu o livro, o conto de Augusto Monterroso ainda estava lá”. Fica a provocação para o leitor. Escreva a sua versão e compartilhe aqui nos comentários.


Comentários

Mensagens populares