ZH de domingo

Texto de uma professora que está na Zero Hora deste domingo:

ARTIGOS

Aula... ou espaço do nada?, por Janeta Pires*


Mais um dia de aula. E mais um dia em que a gritaria, o deboche, o desprezo e o desrespeito comandam o espetáculo denominado sala de aula. É a festa liderada por dois ou três alunos os soberanos das façanhas ousadas, os heróis corajosos que enfrentam as professoras com arrogância destemida, no cotidiano das aulas. Aos poucos, outros seguem o exemplo, entram no embalo e a confusão aumenta. A aula, aos poucos, confunde-se com um vazio sem nexo. Não é uma aula. Não é uma festa. Não é nada! É o desmando.


A professora decide iniciar a aula, interfere – um bom-dia é dirigido aos alunos. Poucos ouvem e muitos ignoram. A seguir, a proposta da aula é comunicada. A maioria, entretanto, nem ouve. A professora se impõe e fala mais alto – para alguns é grito, desrespeito... É neste momento que os “líderes” agem com mais vibração. De forma descontraída, aos risos e gritos, circulam pela sala a pedir material emprestado, a segredar assuntos e a reclamar da professora, pois ela “grita com eles”...

Na tentativa de amenizar a confusão, a professora providencia o material que os alunos dizem ter esquecido – o lápis, a borracha, o caderno ou o livro-texto. Poucos momentos após – “achei meu lápis, meu caderno...”. O descaso invade o momento do saber – o desrespeito, o deboche e a farsa fazem da aula um mundo sem perspectivas.

Na verdade, a aula é comandada pelas artimanhas da “patrulha do faz de conta”. Então, através de alusões infundadas, de ameaças à professora, eles ignoram os conteúdos e as normas de convivência social – são os donos da situação. O restante da turma, refém da bagunça doentia, fica inerte, petrificado. A professora? Ah! Esta é mera figura decorativa.

Mas... e a aula, os conteúdos, o saber, onde é que ficam?

A ausência de ideais, de sonhos, de conquistas, anestesiam a vontade de muitos alunos e, desta forma, a violência mostra-se cada vez mais arrogante, ameaçadora e incontrolável, o que entrava o desenvolvimento cultural e assegura um rendimento escolar medíocre.

A sala de aula, hoje, é um espaço doentio, no qual o professor é torturado das mais diversas formas – verbal, gráfica e mímica, através de palavras, de gestos e desenhos obscenos e até sinistros. O aluno que não segue o “comando”, coitado, mesmo quieto, não passa ileso. É vítima desta turma – além da perturbação sonora, pouco ou nada aproveita da aula. Se é que este momento pode ser chamado de aula!

Este descontrole cultural e social terá alguma conotação com os resultados das avaliações em que o Brasil só tem atingido os últimos lugares? No teste do Pisa, de 2006, o Brasil conquistou o 52º lugar dos 57 países avaliados.

*Professora


Comentários

Lumenamena disse…
O descontrolo cultural e social só pode ser culpa de muitos maus políticos que chegam ao poder. Por outro lado também a culpa é do povo. O facto é que pela falta de cultura e escolaridade, o povo não sabe como reagir, em diversas situações da vida.
O professor é apenas e só obrigado a ensinar a criança, segundo os manuais escolares e prepará-la intelectualmente.
À educação do aluno/a pertence aos pais, daí a expressão "Encarregados de Educação", a estes cabem todas as funções inerentes ao ser humano, como viver e se comportar na sociedade. O aluno/a quando tem dificuldade, encontra mais ajuda em casa do que na escola.
Conclusão: o aluno/a mal educado, violento, tem mau aproveitamento e acaba por chumbar o ano. De quem é a culpa?
Dos professores? Não me parece que seja. Dos alunos? Em parte porque não se aplicou, não estudou, não foi educada para isso. Dos pais? Sim. Afinal quem dá educação à criança, quem dá as bases e ensina comportamentos? Quem oferece os telemóveis às crianças sem terem idade para os ter, e permite que os filhos os tenham ligados durante o período de aulas?
Na minha opinião o incentivo dos pais ajuda, sem dúvida alguma! Mas não é tudo, o importante é o aluno querer, e quem possui condições de despertar o querer, são os professores, desde que comprometidos com o ensino.
Cassionei Petry disse…
Aí se usa "Encarregados da Educação"? Aqui nós temos os "Trabalhadores em educação".
Lumenamena disse…
Sim. Só varia no nome, mas a legislação há-de ser a mesma, não?

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