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Mestre do diálogo
por Cassionei N. Petry

Duas pessoas conversando. Chama-se isso diálogo. Mas quando há dois personagens dialogando em um livro de Luiz Vilela, temos a literatura no seu mais alto grau. Mestre nessa arte que se confunde com o teatro ou com textos filosóficos como os de Platão, o escritor mineiro mostra como se pode criar uma história em que o narrador quase nunca aparece. As poucas palavras e o silêncio são suficientes para o leitor construir o enredo, o cenário e a descrição dos personagens.
A novela Bóris e Dóris marca o início da publicação da obras completas do escritor Luiz Vilela pela Editora Record. Nascido em Ituiutaba, Minas Gerais, começou a escrever aos 13 anos de idade. Mais tarde formou-se em Filosofia, mas trabalhou como jornalista. Tremor de terras, seu primeiro livro, publicado às próprias custas em 1967, quando tinha 24 anos, fez jus ao título ao causar polêmica quando recebeu, em Brasília, o Prêmio Nacional de Ficção. Escritores consagrados como José Condé e José Geraldo Vieira protestaram por perderem o prêmio para um “menino saído da creche”. O fato é que esse livro de contos, quando tive a felicidade de lê-lo pela primeira vez, me causou um grande impacto. Contos como “Chuva”, em que um homem tenta conversar com um cachorro que encontra na rua numa noite chuvosa, e “Enquanto dura a festa”, que, apesar do título, é um monólogo de um jovem sobre o velório do seu pai, pelo qual não sente afinidade nenhuma, são mostras de um exímio contista. Publicou ainda quatro romances nas décadas de 70 e 80, mas foram os contos e as novelas, como O choro no travesseiro, que trouxeram o reconhecimento ao autor.
Bóris e Dóris narra um dia na vida de um casal que está hospedado num hotel. Ele, um executivo, preocupado com o horário de suas reuniões, pois pretende assumir um cargo importante na empresa; ela, anos mais nova, apenas acompanha seu marido na viagem e tenta dialogar com ele. O que pode parecer uma situação banal torna-se uma reflexão sobre o relacionamento de pessoas tão diferentes. Ao “ouvir” a conversa dos dois no café da manhã e à noite, desvendamos, paradoxalmente, um relacionamento em que não há comunicação, o que faz a personagem se questionar se valeu a pena ter deixado de lado seus sonhos para viver com um homem sem tempo para ela.
Se o diálogo se sobrepõe à narrativa em Bóris e Dóris, pode-se perguntar por que Vilela não escreve peças de teatro? Perguntado sobre esse assunto pela escritora Edla van Steen, ele respondeu que nunca tentou. “Mesmo como espectador, o teatro não me atrai muito.” Acredito que Luiz Vilela escolhe as palavras cuidadosamente para serem lidas, não ouvidas. No palco, se perderia a naturalidade que o escritor reproduz no texto escrito, visto que a palavra no teatro está a serviço da interpretação, que pode ser até natural, mas depende muito mais do ator do que do dramaturgo. Da mesma forma, levando-se em conta as rubricas teatrais, os espaços textuais para o leitor refletir se reduziriam. Quanto à comparação com os diálogos platônicos, Vilela não estende a fala dos personagens por várias páginas como fazia o pensador ateniense. No entanto, se depreende do texto do autor de Bóris e Dóris uma filosofia inquietante, na tentativa de entendermos esse ser tão complexo que é o ser humano. Como afirmou Clara Maduro na antiga revista O Cruzeiro, Luiz Vilela tem “uma enorme capacidade de transmitir essa coisa essencial (e tão difícil de fazer) que é: gente vivendo”.

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