Na Gazeta do Sul de hoje
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Meu texto "Os livros são perigosos?", sobre Fahrenheit 451, Ray Bradbury, saiu na Gazeta do Sul de hoje, no caderno Mix, com uma belíssima diagramação. Porém, infelizmente, foi suprimido o último parágrafo.
Aqui, o texto na íntegra:
Os livros são perigosos?
Sempre que ocorre algum incêndio em favelas ou outro tipo de desastre, como enchentes, um dos primeiros objetos salvos é a televisão. Fico pensando, ao observar minha pequena biblioteca, o quão triste para mim seria vê-la consumida pelo fogo. A televisão é uma coisa fria, sem vida, enquanto os livros parecem humanos, têm sentimentos. Se acontecesse comigo, salvaria os livros.
O mais duro, porém, é saber que um mecanismo opressivo de um Estado totalitário poderia querer atear fogo na minha biblioteca. É o que acontece na sociedade distópica criada por Ray Bradbury em seu romance Fahrenheit 451. O livro, clássico da ficção científica, publicado em 1953 (foi escrito nos porões de uma biblioteca, onde Bradbury alugava uma máquina de escrever, de acordo com o posfácio escrito por ele) está sendo relançado pela Editora Globo, na coleção Globo de Bolso, com tradução de Cid Knipel, ao preço de R$ 16,80.
Fahrenheit 451 (que corresponde à temperatura em que o papel entra em combustão) conta a história de Guy Montag, bombeiro cuja função não é apagar incêndio, mas queimar livros. Como assim?, está se perguntando o leitor agora. Pois nessa sociedade futura, as casas são pintadas com um produto que as protege de incêndios. Já os livros são proibidos, com a alegação de que tira a paz das pessoas e as deixa deprimidas. Por isso, ao receberem denúncias, os bombeiros são chamados para acabar com eles. As pessoas que vivem nessa sociedade têm como divertimento assistir à televisão, disposta nas paredes das casas, onde os moradores interagem com a chamada “família”. “A TV molda as pessoas como bem deseja! É um ambiente tão real quanto o mundo. Ela se torna a verdade e é a verdade. Os livros podem ser postos de lado com razão”. Mildred, esposa de Montag, passa o tempo todo vidrada nas paredes, não ficando muito tempo longe dessa sua “família”.
Uma nova vizinha, a adolescente Clarisse, muda a mente de Montag. Ela o ensina a ver as coisas boas da vida e pergunta a ele se é feliz. A partir desse momento o bombeiro começa a ter curiosidade de ler o que está nos livros que são incinerados e os rouba. O que trazem esses objetos a ponto de preocupar tanto às pessoas como Beatty, seu chefe no corpo de bombeiros? Aliás, em uma passagem do romance, uma descrição ao mesmo tempo bela e apavorante, Montag imagina a voz do seu superior o orientando: “Observe. Delicadamente, como as pétalas de uma flor. Acenda a primeira página, acenda a segunda página. Cada uma se torna uma borboleta preta. Linda, não é? Acenda a terceira página na segunda e assim por diante, fumaça em cadeia, capítulo a capítulo, todas as coisas estúpidas que as palavras significam, todas as falsas promessas, todas as noções de segunda mão e filosofias desgastadas pelo tempo.”
O romance (adaptado para o cinema por François Truffaut em 1966) é um registro de amor pelos livros, seja no papel ou guardado na memória, que foi a maneira encontrada pelos resistentes para conservar o conhecimento sem serem presos. O objeto livro nessa história também simboliza toda a obra intelectual que nos faz pensar sobre a condição humana, tanto no aspecto psicológico quanto no aspecto social e, consequentemente, é perigosa para os interesses do Estado. Ao mesmo tempo, Fahrenheit 451 é uma crítica à televisão que estava se tornando um sucesso na época. Ray Bradbury, hoje com 89 anos, a julgava como um objeto alienante, que limitava a mente das pessoas.
Fica a reflexão: O que preferimos? A realidade anestesiante desse objeto retangular, cheio de imagens e sons, chamado televisão? Ou a realidade inquietante, perigosa, desse objeto retangular, cheio de letras impressas e imaginação, a que chamamos livro?
Comentários
É sempre melhor quando a gente mesmo (o autor) pode mexer no texto... vou tentar seguir essa prerrogativa.