Saramago ou simplesmente José


por Cassionei Niches Petry

A morte não foi intermitente com José Saramago. Ela, a indesejada das gentes, que em um dos romances do escritor decidiu parar de agir, resolveu agora nos levar o gênio. Como ele mesmo escreveu uma vez, “somos uma pequena e trémula chama que a cada instante ameaça apagar-se”. A chama, ou o lança-chamas, apagou-se. Já disseram que o mundo ficou mais burro nesta sexta-feira. A cegueira vai continuar, a lucidez vai diminuir, vamos continuar presos na caverna.

As mentes pequenas, que não aceitavam um contestador como Saramago, hoje se regozijam. Livraram-se do incômodo. Será? Creio que não. Seus livros estão aí, cada vez mais se multiplicando, como a cegueira do seu romance adaptado para o cinema. Continuarão chegando a todos os continentes, tal qual a jangada de pedra que se desprendeu do continente europeu. Ele continuará incomodando por muito tempo ainda.

Saramago, um “ser amargo” para alguns, que não esquecerão O evangelho segundo Jesus Cristo, censurado pela Igreja Católica e pelo governo português, por mexer com um mito inatacável. “Ser amargo” para os acreditam em um deus bondoso, na verdade um deus sanguinário, desmascarado no mais recente livro, Caim. “Ser amargo” para quem não sai de um shopping center, uma caverna platônica dos tempos modernos. “Ser amargo” é dizer um não para a história oficial. “Ser amargo” para os burocratas, “ser amargo” para os políticos, “ser amargo” para a Igreja, religiões, padres, pastores. “Ser amargo” para os capitalistas e para os banqueiros.

Mas “ser amargo” não é um defeito. Um ser doce não vê nossas idiossincrasias, não põe o dedo na ferida, aceita que tudo aconteça sem contestar e deixa os poderosos se perpetuarem. Um “ser amargo” nos deixa de olhos bem abertos, rói a cadeira do rei até ela quebrar.

Ser amargo, sal amargo, Saramago. Ou simplesmente José. Que seus livros continuem jogando pimenta nos nossos olhos e nos guiando para sair da escuridão dessa caverna chamada mundo.

Comentários

primeira notícia na minha página inicial
pulei de susto
não quiz acreditar
estou realmente triste..
Jorcenita disse…
Impossível deixar de ler seu blog!!! Vou linkar teu texto no meu, ok? BJô
Cassionei Petry disse…
Você pode tudo, Jô. Beijo.
Raphael Gomes disse…
Realmente a maior perda do ano(mas é claro que se a seleção perder a Copa não vão falar de mais perda nenhuma). Enfim, o que sem dúvida se pode falar sobre o Saramago é que ele seguiu o que Borges chamava de "sinceridade literária", que seria só escrever o que se acredita. Atitude a mais louvável!
Cassionei Petry disse…
Obrigado pelo comentário, Raphael.

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