Os robôs somos nós?

Cassionei Niches Petry


Recentemente, o cientista Craig Venter, junto com sua equipe, anunciou a criação de um organismo vivo a partir de um genoma sintético. Um passo importantíssimo para a criação de vida artificial. Logo, muitas vozes exaltadas protestaram contra o ser humano que mais uma vez quis brincar de Deus. Isso nos remete ao chamado “conhecimento proibido”, retratado em mitologias de diferentes civilizações.

No mito grego da “Caixa de Pandora”, por exemplo, a primeira mulher criada pelos deuses foi mandada à terra junto com um recipiente, mas com a proibição de não abri-lo. Como a curiosidade é inerente a todo ser humano (ia dizer a toda a mulher, mas aí atrairia a ira feminina sobre mim), Pandora não se conteve e abriu a caixa para conhecer seu conteúdo. Como consequência, de dentro da caixa saíram todos os males do mundo.

Mito semelhante é relatado no livro sagrado dos cristãos, na história de Adão e Eva. Deus proibiu que comessem do fruto da Árvore do Conhecimento. A mulher desobedece à ordem e ainda oferece a fruta ao homem que, obediente, aceita. Com esse ato, segundo o mito, entra o mal no mundo.

Como se pode ver, nesses e outro relatos há sempre um moral da história que nos impõe limites ao conhecimento. Podemos ir até um determinado ponto, mas, além desse ponto, estaríamos invadindo o território divino e receberíamos um castigo por isso. Sorte que nós, seres humanos, somos desobedientes, do contrário não teríamos os avanços científicos que nos ajudam cada vez mais a viver melhor.

A literatura também entra nessa discussão filosófica. Emblemática, por exemplo, é história de Frankenstein, escrita por Mary Shelley, em que um cientista cria um ser que seria uma espécie de antecessor dos robôs atuais. Apesar de se mostrar um ser inteligente, é levado, depois de sofrer maus tratos dos humanos, a praticar assassinatos. Esse medo que os humanos têm dos seres criados de forma artificial foi a inspiração para o escritor Isaac Asimov revolucionar a literatura de ficção científica.

Asimov, nascido na Rússia em 1920, foi um intelectual prolífico. Escreveu mais de 400 livros, não só de ficção como também de divulgação científica: química, física, astronomia, antropologia, história, etc. Em várias áreas o escritor deixou sua marca até sua morte em 1992.

Com suas histórias de robôs, o Bom Doutor - como ficou conhecido pelos fãs - tentou modificar um pouco o modo como vemos esses seres artificiais. Até os anos 40, os autômatos eram vistos apenas como criaturas capazes de cometer atrocidades contra o ser humano, o que ele chamou de “síndrome de Frankenstein”. Para modificar essa visão, criou a chamada “Três Leis da Robótica”: 1ª lei: Um robô não pode prejudicar um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal. 2ª lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, a menos que contradigam a Primeira Lei. 3ª lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.”

Isaac Asimov escreveu os contos reunidos no volume Eu, robô (Ediouro, 352 páginas, tradução de Jorge Luiz Calife) a partir dessas leis e suas implicações. O ano é 2057 e a Dra. Susan Calvin, uma senhora de 75 anos prestes a se aposentar, conta a um jornalista nove fatos sobre autômatos que ela presenciou ou ouviu durante toda a sua carreira, formando assim os noves contos do livro. Como robopsicóloga, sua função é analisar os problemas decorrentes dos conflitos entre as leis programadas nos cérebros positrônicos dos autômatos e que causam problemas a eles e aos humanos. Em “Mentiroso!”, ela se depara com um robô que lê pensamentos. Questionada sobre algumas questões pessoais de alguns personagens, a criatura responde apenas o que as pessoas gostariam de ouvir, pois não quer magoá-las, de acordo com a Primeira Lei, o que ocasiona uma enorme confusão entre os personagens.

As histórias tratam de questões filosóficas como crenças, verdade, razão, ética e paradoxos. No conto “Razão!”, um robô que foi montado em uma estação espacial afirma que a Terra não existe. Os astronautas - Donovan e Powell, que aparecem em outras histórias também - mostram evidências, como a imagem do planeta no espaço, mas a lógica do seu cérebro programado não aceita, e ele diz que não foram eles, humanos primitivos, que o criaram, mas sim o Mestre. Acaba, por fim, liderando um movimento fanático religioso entre os outros robôs. Em “Brincando de pique”, também conhecida como “Círculo vicioso”, o paradoxo provocado pela terceira lei causa pane no cérebro do robô e o deixa “bêbado”. Em “Robbie”, o primeiro conto de robô escritor por Asimov, um autômato serve de babá e amigo para uma menina, e a mãe questiona até que ponto uma máquina pode substituir o ser humano no afeto e no convívio.

A coletânea é uma reflexão, no sentido mesmo de se olhar no espelho, pois as histórias dessas máquinas são uma alegoria da condição humana e sobre os limites do nosso conhecimento. Padeceremos ainda durante muito tempo ainda da síndrome de Frankenstein ou devemos ter medo é do próprio ser humano? Evoluiremos cientificamente ou iremos parar no tempo com medo de um castigo divino?


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Ouvindo o álbum conceitual I robot, do grupo Alan Parsons Project, baseado no livro de Asimov.



Comentários

Mirella disse…
Lembro-me de que uma professora de literatura, na sexta série, quando eu estudava no Gaspar, havia lido Frankenstein de Mary Shelley para a turma. Toda aula, ela lia alguns capítulos e conversávamos sobre. Isso aí, psor, continue escrevendo.
Ricardo Morris disse…
oi

Gostei do post
E obrigado pela dica do The Alan Parsons Project!

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