Lygia Fagundes Telles no Traçando Livros de hoje


Na minha coluna Traçando livros, do jornal Gazeta do Sul de hoje:

Verdes contos

A Lygia foi a primeira escritora que me conquistou. Amor à primeira vista. Ou melhor, paixão, pois adorar a Lygia é uma patologia da qual não queremos ser curados. Ela encanta, seduz, manipula seus leitores e faz deles, segundo suas próprias palavras, cúmplices das histórias.

Para nossa sorte, toda a sua obra vem sendo reeditada pela Companhia das Letras, num trabalho primoroso. Entre os relançamentos, destaco o livro Antes do baile verde, lançado originalmente em 1970. Nele, Lygia Fagundes Telles reuniu os melhores contos até aquela data. Obras-primas da narrativa curta.

Lygia pega o leitor pela mão e o faz entrar nesse baile, numa dança sedutora, levando-o a lugares estranhos. Quando menos espera, o leitor já está dentro de uma loja de antiguidades, “com seus panos embolorados e livros comidos de traça”, no conto fantástico “A caçada”, e acompanha o personagem que se encanta com uma tapeçaria. Cada vez mais inebriado, o leitor é levado depois para um cemitério abandonado, na obra-prima “Venha ver o pôr-do-sol”, acompanhando a tentativa de um rapaz de se aproximar da amada, que o trocara por outro mais rico. O final, surpreendente, fica ecoando nos desvãos da mente do leitor, enquanto os dois rodam e rodam, como as crianças brincando no portão do cemitério.

A dança prossegue embalada pelo “Moço do saxofone”, cuja triste sina é tocar seu instrumento no mesmo instante em que sua mulher dorme com outro no quarto ao lado. Depois, Lygia conduz o leitor a conhecer a história de um menino que, contente por sua mãe tê-lo levado ao cinema (“tão bom sair de mãos dadas com a mãe”), acaba tendo uma grande decepção com ela.

O par continua a rodar no salão. O leitor sente uma tontura e logo se vê numa embarcação, no conto “Natal na barca”, observando uma mulher com seu filho doente. Um conto triste, tão triste quanto à indiferença da filha em relação ao seu pai moribundo, na história que dá título ao livro.

Depois de terminada a dança, depois de mais outras voltas no salão, o leitor percebe que Lygia usa um belíssimo vestido verde, cor predominante nas narrativas, em que há olhos verdes, um rio verde, um lagarto verde, lantejoulas verdes, o baile verde. Apesar de o verde ser considerado a cor da esperança, esse sentimento não está presente nos textos, que refletem a miséria humana em todas as suas formas. O verde, talvez, seja um recado de Lygia Fagundes Telles, dizendo o quanto precisamos ainda amadurecer para melhorarmos nossas relações.

Cassionei Niches Petry é mestrando em Letras, com bolsa do CNPq. Não gosta de dançar, mas abre uma exceção para a Lygia Fagundes Telles. Escreve regularmente para o Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com.

Comentários

Lindo seu texto. Tens razão quando diz que o caso é patológico, pois ela também me pegou a alguns anos... Confesso que não li esse texto no blog, degustei-o na fonte, na edição da Gazeta. Gosto que escreve, salva o jornal!!! Abraço!!!
Cassionei Petry disse…
Obrigado, Dilso. Teus textos também são muito bons e recomendo.
Juliana Brito disse…
Que pena que só agora conheci essa autora. Quero ler outras obras dela.

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