A FORÇA DO MARTELO
Pensar em Nietzsche é pensar em um provocador. Ninguém passa pelos seus livros sem sair extremamente incomodado, seja positiva ou negativamente. Se me perguntam qual é a porta de entrada para a obra do “bigodudo”, aconselho a obra que eu considero a mais provocativa, Ecce Homo, em que o filósofo comenta e elogia os seus próprios livros. A maioria das pessoas, por isso, não passa da primeira página e reclama que o “cara se acha demais, é muito arrogante”. Pode ser, mas justamente essa postura que o fez ser o que é. Sua filosofia, como ele próprio afirmou, se dá a golpes de martelo, golpes, diga-se, certeiros em nossa cabeça.
Alguns acabam conhecendo o filósofo por vias tortas. O livro - mais tarde transformado em filme - Quando Nietzsche chorou foi lido - e assistido - por milhões de pessoas. No enredo, um encontro ficcional entre o Dr. Josef Breuer e o autor de O anticristo mostra como Nietzsche foi uma espécie de percursor da psicanálise, uma vez que ele já mencionava a questão do inconsciente em seus escritos. Na vida real, Breuer teria sido o precursor da psicanálise e Freud, que também aparece no filme, foi seu aluno.
No livro, o autor, Irvin D. Yalom, deixa bem claro, numa nota final, quais são os fatos que não correspondem à realidade e o que é verdade. O encontro entre Breuer e Nietzsche jamais aconteceu, por exemplo. O filme, no entanto, traz pequenos textos, no final, sobre o que teria acontecido com os personagens depois dos episódios retratados, dando a entender que o filme correspondia à realidade. Para um desavisado, tudo o que se passou na tela grande corresponderia a fatos reais.
Se valeu a pena “perder” uma manhã de aula para assistir ao filme? Acredito que sim. A sessão nos tirou da rotina. Ver Nietzsche como personagem, modifica a visão que temos dele. Nós o vemos, por exemplo, com um avental de paciente sendo examinado pelo médico, um desnudamento da figura. Sua fragilidade nos é passada pelo amor por Salomé, provocando de forma extrema o lado dionisíaco do nosso filósofo. Vemos um Nietzsche desiquilibrado emocionalmente, mostrando quem não só de razão vive um filósofo. Está aí a contribuição da obra, no papel ou na tela: fazer arte a partir da vida do autor dos vastos bigodes. Em vez de mostrar um Nietzsche que conhecemos, nos apresenta um novo Nietzsche, uma nova versão, talvez mentirosa, mas possível.
(Texto escrito para a disciplina "Leitura e virtualização", ministrada pela professora Nize Pellanda, no Mestrado em Letras da Unisc.)
Comentários
Belo texto!!! Merece uma publicação... Manda para seus espaço a Gazeta!!!