Jorge Volpi no Traçando Livros de hoje
No Traçando Livros de hoje, no jornal Gazeta do Sul, escreveo sobre Jorge Volpi: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/339685-a_boa_mentira/edicao:2012-04-11.html
A boa mentira
Cassionei Niches Petry
Acredito que vocês, meus leitores,
gostam de uma boa mentira, afinal, só leem o Traçando Livros porque apreciam literatura
e são ludibriados por ela. A expressão ludibriar, diga-se, vem bem a calhar, na
medida em que traz em sua raiz a palavra latina ludus, que significa jogo, divertimento. Nós nos divertimos e
entramos no jogo proposto pelo escritor, conhecendo as regras e sabendo que
elas podem ser desrespeitadas também. Suspendemos nossa crença na realidade
para entrar na ficção. E, se ela for boa, somos contagiados por ela.
Jorge Volpi, escritor mexicano, nascido
em 1968, é um desses mentirosos contumazes. Não bastasse mentir tanto, resolveu
escrever sobre essa sua falha de caráter, ou melhor, sobre a falha de caráter
dos outros escritores. Mentiras
contagiosas foi publicado em 2008 e ainda não tem tradução para o
português. Trata-se de um conjunto de ensaios, ao menos é o que diz a folha de
rosto do volume. E ensaio, como se sabe, corresponde a uma peça de não ficção.
O primeiro texto, no entanto, é escrito por volta do ano de 2700, ou seja, já
caímos numa primeira mentira.
O “ensaísta” relata que o romance
morreu e que o último exemplar, uma imitação de Don Quixote de la Mancha, teria sido escrito por um tal de Menard,
em 2605 (referência óbvia ao conto de Borges). Seguem-se argumentos contra esta
arte que “só podia ter prosperado em sociedades com um precário desenvolvimento
intelectual”. (Esse e outros trechos são traduzidos por mim.) Ironicamente, ao
fazer um tratado contra o romance, Volpi escreve que a humanidade estaria muito
melhor se não tivéssemos perdido tanto tempo com delírios.
Em outro ensaio, saindo do tom
irônico, Jorge Volpi utiliza o conceito de “memes” do zoólogo Richard Dawkins
para abordar a evolução das ideias do escritor e, consequentemente, do romance.
Os “memes” seriam ideias transmitidas de geração para geração pela seleção
natural, assim como os genes. Volpi escreve que “a mente do romancista trabalha
como a natureza: ordena pouco a pouco as ideias até construir uma obra. O romance também é um produto da
evolução: um avanço tecnológico que permitiu o desenvolvimento de nossa espécie
e que, graças a sua capacidade de adaptação, se mantém como um dos pilares de
nosso predomínio no planeta”.
Na continuação do ensaio, Volpi
escreve que “o romance só se completa quando suas ideias conseguem infectar o
leitor”. Essas ideias se multiplicam na mente dos leitores como se fossem parasitas.
Se ambos se beneficiam, acontece a simbiose, o que ocorre com os textos da alta
literatura. No entanto, há aquelas romances que são parasitas inócuos, que
morrem logo depois de infectar o leitor: são os livros de entretenimento.
Os demais textos abordam, entre
outros temas, a obsessão do cineasta Orson Welles pelo personagem Dom Quixote,
um colóquio sobre o escritor Juan Rulfo, as obras de García Márquez e Carlos
Fuentes. O volume fecha com outra epidemia, dessa vez provocada pelo escritor
Roberto Bolaño, autor de Os detetives
selvagens. Depois de sua morte em 2003, Bolaño passou a ser cultuado pelos
leitores e tornou-se modelo para os escritores mais jovens. Jorge Volpi, no
entanto, não coloca o autor de 2666 no
altar da perfeição. Alguns romances e a quase totalidade da contística bolañiana
são irregulares, segundo ele. As duas obras citadas, porém, são o que de melhor
e mais criativo se produziu nos últimos anos na América Latina, fazendo jus à
epidemia que se criou.
A única obra de Jorge Volpi
disponível no Brasil é o romance Em busca
de Klingsor. Publicado pela editora Companhia das Letras, o romance
confirma o que é a literatura: ela é mentira, é jogo, é doença.
Cassionei Niches Petry é mestrando em Letras e bolsista do CNPq. Quinzenalmente
escreve sobre mentirosos no Mix e mantém o blog cassionei.blogspot.com, onde
mente regularmente.
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