Por que lemos pouco?
Discutir a questão da leitura é perda de tempo, apesar de
necessário. Todos pensam que só pelo fato de serem leitores já podem sair por aí
opinando. Na verdade, têm esse direito. Porém, não significa que possuam os
conhecimentos necessários para tanto. Ninguém o tem, nem mesmo este escriba.
“Como assim?”, pergunta Seu Cláudio, advogado que neste
momento deve estar lendo esta crônica no seu escritório repleto de livros; ou
Dona Maria, professora aposentada que trabalhou a vida toda como professora de
Língua Portuguesa e conhece muito bem o assunto. Explico.
Cada indivíduo tem uma experiência sobre o mundo dos livros distinta.
O editor e o escritor profissional analisam os números de livros vendidos e
afirma que o brasileiro lê muito pouco. O professor decepciona-se com seus
alunos que não retiram livros na biblioteca e, por conseguinte, afirma que não
gostam de ler. O jornalista pesquisa sobre o assunto e, a partir das
estatísticas de vendas e depoimentos de especialistas, diz que o preço do livro
e a escola são os responsáveis por lermos tão pouco. O leitor comum então
pergunta: “mas como o __________ (preencha o espaço com o nome de algum
escritor mais vendido) é tão rico?”, “como explicar que o Padre ___________
(complete com o padre popstar de sua
preferência) vende milhões de exemplares?” e “como tem tanta gente na lista de
espera da biblioteca municipal para retirar o único exemplar disponível de
__________ (preencha com o best-seller do momento)?”
Sim, meus caros. Há leitores e há leitores. Há livros e há
livros. Há escritores e há escritores. Ora, não podemos dizer que o brasileiro
não lê. Mas podemos dizer que ele não lê a literatura propriamente dita, que consiste
em livros em que há um trabalho artístico com as palavras e uma reflexão mais
elaborada, sendo por isso considerados chatos pelo leitor comum, aquele que
busca apenas entretenimento ou ensinamentos empacotados. Também não são os
números de vendas que vão mensurar isso, até porque um exemplar de um livro pode
ter milhares de leitores que o retiram de uma biblioteca, sem contar em outros
milhares que são compartilhados pela internet. Ou seja, não há tão poucos
leitores como se pensa.
O preço também não pode ser uma justificativa para a falta
de leitura. Ele apenas impede a possibilidade de termos uma biblioteca particular,
no que somos salvos pelos sebos. Além disso, o livro tem o mesmo valor do que
um CD. É um fator, portanto, que interessa só a quem lucra com isso.
O que me incomoda, porém, é colocar a escola como culpada
pelo suposto fracasso da leitura no país (ok, admito que há esse fracasso,
afinal vejo poucas pessoas lendo em um ônibus ou mencionando livros nas redes
sociais). Dizem que o professor, ao obrigar o aluno a ler, está afastando-o dos
livros, pior ainda quando se trata daquelas “coisas chatas” do século XVIII e
XIX que são solicitadas no vestibular.
A escola, em muitos lugares, é onde há a única biblioteca
disponível para a população. Só aí poderíamos isentá-la de culpa. Além disso, a
criança aprende a ter prazer com a leitura com as professoras do currículo e
contadoras de histórias que visitam os educandários. No entanto, quando entram
na adolescência, os alunos passam a ter outros interesses que o deixam distante
da leitura. O professor pode até dar a liberdade para retirarem o que quiserem
na biblioteca escolar, mas eles não a aproveitam (preciso dizer que há
exceções?). Então, o mestre se vê obrigado a obrigar a leitura. Como toda a
proposta vinda do professor é de antemão rechaçada pelo aluno, ele vai achar
chato e não vai querer ler.
Qual a função do professor de literatura, afinal? Acredito
que ele deve ensinar que muitos livros, mesmo sendo “chatos”, fazem parte de um
período histórico e cultural e são importantes. A escola não deve esconder o
que a humanidade produziu só porque não teria mais nada a dizer ao jovem de
hoje. É um erro pensar dessa forma. Se isto
afasta o indivíduo, é porque ele não tem nenhuma tendência para gostar de ler.
Na minha opinião,
limitada como disse no início, a leitura é uma aptidão individual, que se
desenvolve em quem tem acesso a uma variedade de obras e a um ambiente cultural
dentro da própria casa. Se o brasileiro não lê, não é porque a leitura é chata,
é porque a sociedade, os amigos e inclusive formadores de opinião acham a Literatura
(com L maiúsculo) maçante. Isso só contribui para aumentar nossa pobreza intelectual.
Comentários
Além disso, infelizmente, para muitas pessoas o primeiro contato com os livros acontece na escola e acho que elas deveriam, no mínimo, ser expostas a todos os tipos de obras, de modo a estimular o interesse pela leitura.
Por outro lado, existe um outro fator chamado exemplo, quando fiz faculdade havia um senhor já bem velho que se formou com a turma, ele era um exemplo pra nós, hoje vemos poucas pessoas lendo e em alguns casos isso ainda é mal visto, quem lê muito é CDF, se usar óculos então, tá ferrado e esse preconceito/fator cultural também pesa contra e precisaria ser combatido por campanhas que incentivem a leitura.
Bem, essa é a minha humilde opinião.
Abraços.
Como eu disse, a escola é um fator, mas não A culpada. Quando dizem que é o professor que não incentiva o aluno a ler, sinto-me atingido, pois justamente indico uma porção de coisas boas, mas, quando vem do professor, nada presta para o aluno(isso me lembrou de um fato que vou relatar em outro post). Enquanto não houver uma sociedade que valorize a leitura, o trabalho do professor de nada vai adiantar.
Eu estagio na Educação Especial, turno noturno, ou seja, turno do PEJA - Projeto de Ensino de Jovens e Adultos. Em teoria, ajudo um só aluno (Rafael, menino queridíssimo, que tem Asperger); na prática, sou um segundo professor em sala, porque seria cruel negar ajuda ao resto da turma.
Fiz fama nessa escola porque, ela fica no caminho casa-faculdade, emendo a faculdade no trabalho, chego cedo e fico lendo na escadaria. Essas minhas horações chamaram a atenção da responsável pela sala de leitura, e fui perguntado se poderia ler para as turmas. Disse sim e lá estava eu lendo Mia Couto para quarenta pessoas.
Ficaram maravilhados, e não me foi uma surpresa: são as pessoas mais incríveis que já vi na vida. Pensam os professores que estão ali para conquistarem marromenos um diploma, uma grana a mais; uma aluna octagenária, no conselho de classe, chutou essa palhaçada pra longe com uma frase: "Me virei até aqui"
Eles só querem ler.
Leio todas as semanas para eles, quando sobem para a sala de leitura. Li Rosa (foi um chororô gostoso quando li A menina de lá), li a passagem de Polifemo da Odisseia, li A autoestrada do sul do Cortázar, li Manoel de Barros, fiz eles quebrarem a cabeça com As ruínas circulares do Borges (e deu muito certo)... Meu 2012 foi inteiro assim.
Pouco antes deles entrarem de férias, aconteceu uma coisa que me fez lembrar do Charlles Campos. Um aluno me cumprimentou nas escadas, perguntou o que eu lia - Enquanto agonizo, do Faulkner. Ele achou o nome forte e quis saber do autor. Esse aluno é mecânico, um homem enorme em seus trintanos; e como chorou quando eu disse que Faulkner escreveu aquele romance em cima das máquinas de escavação.
João Antonio Guerra
Os títulos são:
"A arte de ler" Editora Agir - livro há muito esgotado.
"Como Ler Livro" Editora Érealizações.
Mário Sérgio