Que tal um pacto com o Capiroto?
Na minha coluna no jornal Gazeta do Sul de hoje, Traçando livros, texto já publicado por aqui, porém revisto:
Uso óculos (ou Vou ali assinar uma pacto com o
Capiroto e já volto)
Uso óculos, por isso
que as meninas do Leblon não olham mais pra mim (aliás, nunca olharam, aliás 2,
nunca fui ao Leblon, aliás 3, nunca fui ao Rio de Janeiro). São 4,5 graus de
miopia numa lente e 5 graus na outra. Tenho os olhos tortos, o que explica
minha visão diferente das coisas, meu olhar diferente para a realidade (aliás
4, não explica nada, mas escrevi isso porque achei legal essa comparação (tá,
parei)).
As lentes, porém,
não são suficientes para ter uma visão boa, pois mesmo assim não consigo
enxergar perfeitamente de certa distância, depende também do tamanho do que
quero ver de longe. Enquanto escrevo estas mal traçadas linhas, meu amor, porque
veio a saudade visitar meu coração (aliás 5, que musiquinha brega essa do
Erasmo Carlos e do Renato Russo, hein?, mas é bonitinha) e o cursor pisca como
se dissesse “vai, desgraça, mexa esses dedos”, volta e meia levanto a cabeça e
observo as lombadas dos livros que estão nas três estantes que compõem a biblioteca
da traça que vos escreve. Consigo visualizar menos da metade dos títulos e os
nomes dos autores. Destaque-se, no entanto, o enorme 2666 na lombada do
romanção do Roberto Bolaño (que não, não e não, não é o Chaves todos atentos
olhando pra TV que, aliás 6, se chama Bolaños, com S no final, e morreu esses
dias causando uma comoção na América Latina (ou somente no México e no Brasil?)).
O título é relativo ao número do Capeta, o que me faz perguntar se o escritor
chileno não fez o pacto com o Capiroto para que se tornasse o que se tornou e
por isso no deixou muito cedo. Fazer pacto com o Diabo não é novidade nas artes
e temos vários casos comprovadamente não comprovados como o do poeta simbolista
Baudelaire e o bluseiro Robert Johnson. Coincidentemente (ou não), estou
ouvindo Paganini que, dizem, assinou o contratinho com o Coisa-ruim para tocar
violino daquela forma espetacular (aliás 7, um dos seus caprichos é o som de
chamada do meu celular, como se o Demo tivesse me chamando a toda hora). P.S.:
Coincidência ou não, enquanto releio estas linhas (escritas há mais de uma
semana), para publicá-las na página do Traçando Livros, estou novamente ouvindo
Paganini.
O pacto demoníaco
também é tema de literário de obras como o Fausto,
do Goethe, e seus derivados, como o Doutor
Fausto, do Thomas Mann. Na literatura brasileira, Guimarães Rosa pôs o seu
Riobaldo a também fazer seu pacto com o Cramulhão em Grande sertão: veredas. O curioso é que o autor foi eleito para a
Academia Brasileira de Letras em 1963 (3 vezes o 6?) e adiou sua posse com medo
de que fosse passar mal com a emoção. Quando resolveu assumir, quatro anos
depois, disse em seu discurso: “a gente
morre é para provar que viveu”. Acabou morrendo três dias depois. Teria feito
um pacto com “o Arrenegado, o Cão, o
Cramulhão, o Indivíduo, o Galhardo, o Pé-de-Pato, o Sujo, o Homem, o Tisnado, o
Coxo, o Temba, o Azarape, o Coisa Ruim, o Diá, o Dito Cujo, o Mafarro, o
Pé-Preto, o Canho, o Duba-Dubá, o Rapaz, o Tristonho, o Não-Sei-Que-Diga, O -Que-Nunca-Se-Ri, o Sem-Gracejos, o
Muito-Sério, o Sempre-Sério” entre outros nomes que ele elenca na sua
obra-prima para denominar o Diabo?
O texto era para falar sobre os títulos das
lombadas dos livros enfileirados na minha estante, no entanto acabei mudando de
assunto. Comecei falando sobre os óculos (que, aliás 8, não são de Paula(ou
são?)) e acabei no Pacto com Diabo, o que me leva a pensar na possibilidade de assinar
com o meu sangue um contrato com o Das Trevas para que me torne um baita
escritor (tá, parei).
Cassionei Niches
Petry é professor, mestre em Letras. Autor de Arranhões e outras feridas (Editora Multifoco) e Os óculos de Paula (Editora Autoral). Escreve
regularmente para o Mix e mantém um blog, cassionei.blogspot.com.
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