Jeito de enredar leitores
O livro de contos Jeito de matar lagartas (Companhia das Letras, 168 páginas) vem
reafirmar a qualidade contística de Antonio
Carlos Viana, já expressa em volumes como Aberto está o inferno e O
meio do mundo. Nascido em Aracaju, Sergipe, em 1946, é um escritor que se
dedica somente à narrativa curta e ainda merece melhor repercussão para sua
obra.
O conto inicial, “A muralha da China”, traz no enredo as
hesitações de um casal para contar a uma vizinha sobre a morte do marido e do
filho em um acidente de caminhão. Enquanto isso, duas crianças brincam com o
quebra-cabeça no quarto do amigo que morreu. A dificuldade de comunicação,
simbolizada também pela construção da muralha do jogo, cujas peças acabam sendo
abandonadas, é um dos temas da coletânea, que também retrata a infância (“Agora
já não éramos mais crianças, mas também não tínhamos entrado de vez no
território dos adultos.”), o envelhecimento (“Uma semana de cama e tio Eunápio
revelou por inteiro sua velhice.”), a solidão (“Fazia muito tempo que não
partilhava a mesa com alguém, naquela solidão que tanto a atormentava e poderia
fazê-la cair de novo no autoflagelo.”) e o sexo (“Com ela, Mário Sérgio nunca
pifou. Nunca mesmo, nem quando o sexo passou a ser uma coisa espaçada, uma vez
por semana, depois uma por mês, até que ele adoeceu.”).
“Roteiro da solidão” poderia ser a continuação do
primeiro conto. Depois de ficar viúva e com os filhos distantes, dona Ineide,
sentindo-se só, decide vender o casarão em que mora, mais interessada em
receber visitas do que negociar. Um dos possíveis compradores, um amor
platônico da juventude, abandonado pela mulher, acaba indo seguidamente ver a
casa. Terá ela uma nova chance com seu antigo amor ou a solidão será seu
destino? “Dona Katusha” traz a história de uma mulher velha que se acha muito
gostosa e que demora para perceber que as mudanças do seu corpo implicam em
transformações na sua vida sexual. Em “Jogos florais”, uma viúva redescobre o
corpo e se sente atraída por um rapaz bem mais jovem, levando-o para um motel e
admirada por fazer coisas com o jovem que não fazia com o finado marido.
A narrativa que dá título ao livro reflete as brincadeiras da
infância e as descobertas sexuais, as lagartas transformadas em borboletas
simbolizando as mudanças no corpo. O título, de certa forma, resume a
coletânea, pelo menos na leitura enviesada deste resenhista: o “jeito” reflete
a maneira peculiar como todas as personagens reagem perante as adversidades da
vida, como a velhice, a solidão, as descobertas. “Matar” nos remete à morte,
tema recorrente nas histórias, seja a morte física, seja a metafórica. “Lagartas”,
além do simbolismo da transformação, denota também a presença de animais (uma cachorra
em “Cara de boneca”, porcos em “Saviano” e “Batatas bravas”) e de metáforas relacionadas
a bichos, ora no sentido da delicadeza (“Logo cedo descobri que qualquer bicho
nos entende, mais do que qualquer pessoa, qualquer pai ou qualquer mãe.”), ora
no sentido dos instintos (“homem só quer saber de enfiar a vara e gozar feito
um jumento”; “Maria Montez parecia uma gata. Quando menos se esperava, lá estava
ela, de barrigão de novo.”).
Antonio Carlos Viana costuma dizer em entrevistas que o bom
conto é aquele que o leitor não esquece. As narrativas de Jeito de matar lagartas cumprem esse preceito ao nos enredar nas
suas tramas. Um bom livro.
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