“Conto de escola”: corrupção, delação e o "tamborzão"

Machado de Assis era um perspicaz analista da condição humana. Em seus romance e contos, somos retratados com tintas nada positivas, mostrando como é verdadeiramente nosso caráter, ou melhor, nossa falta de caráter.

Vejamos o “Conto de escola”, publicado no livro Várias histórias. O narrador, Pilar, assume que está longe de ser “um menino de virtudes”, tendo em vista que, depois de cabular a aula e receber por isso uma surra do pai, decide no outro dia comparecer ao colégio, mas só para não receber outro castigo. Lá chegando, é interpelado pelo colega Raimundo, filho do professor Policarpo. Tentando ser discreto e se livrar dos olhos do pai, Raimundo demora em fazer o pedido ao amigo. Ambos têm medo da palmatória do mestre.

Quando consegue falar, diz a Pilar que tem em seu bolso uma moeda de prata. O narrador confessa ao leitor que a moeda lhe “fez pular o coração”. Raimundo então diz que a moeda seria dele a partir de “uma troca de serviço: ele me daria a moeda e eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe.” Tem medo de que o pai descubra que  não conseguiu entender o conteúdo da aula.

Conta o narrador: “Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.

Pilar aceita a moeda. Acontece que outro colega, o Curvelo, disfarçadamente cuidava o movimento dos dois. Tal um grampo telefônico, o menino fica sabendo da artimanha dos colegas e os denuncia ao mestre, o juiz que aceita a delação e ainda tem como prova a moeda do bolso do aluno, o que os leva a serem julgados e condenados à palmatória.

No outro dia, Pilar cabula mais uma vez a aula, desta feita para seguir um batalhão de soldados marchando ao som de um tambor. E conclui a narrativa: “contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...”

Notar semelhanças com os dias em que vivemos hoje, especificamente na política, não é mera coincidência. O conto, ambientado na década de 40 do século XIX, retrata o ser humano e sua miséria moral, que começa já na escola. E há mais. Quando Pilar se distrai com a música fora do ambiente escolar e não vai à aula, podemos comparar com os alunos modernosos e seus enormes fones de ouvido escutando música geralmente de péssima qualidade, como a do “tamborzão” do funk carioca, e, o pior, desprezando a sala de aula e a reflexão intelectual.

É isso o que faz a boa literatura. Passa-se o tempo, mas ela continua refletindo a atualidade e o comportamento humano de qualquer geração. Mudam-se os nomes, mudam-se os costumes, porém o ser humano continua igual.


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