Traçando livros de hoje é sobre livro de Nuccio Ordine
A inutilidade de um livro
Vinha pensando sobre o que escrever na volta da coluna
Traçando Livros depois do recesso de dois meses. Pensei em abordar a questão da
utilidade, ou melhor, da inutilidade desse tipo de espaço num jornal atualmente.
Por que continuar escrevendo sobre livros, se a sociedade em que vivemos não o
valoriza? Por que um jornal como a Gazeta do Sul ainda cede lugar para a
literatura, apesar da crise pela qual os periódicos vêm passando no país? Sobre
isso, de certa forma, trata A utilidade do inútil – um manifesto (Zahar Editora, tradução de Luiz Carlos
Bombassaro), de autoria do italiano Nuccio Ordine, filósofo e professor de
literatura, livro que tentei ler na última semana.
A leitura de sua obra me foi despertada justamente por causa
de jornais que ainda têm espaço, apesar de cada vez menores, para a cultura. Li
algumas entrevistas do autor e me empolguei com suas afirmações que vão ao encontro
do que tenho dito sistematicamente. Uma delas enaltece o silêncio, a reflexão,
a leitura feita com lentidão, ao contrário da vida atual que nos pede pressa,
rapidez. Ordine também fez uma “crítica à pedagogia moderna, que quer ensinar
os jovens pelo jogo, pela superficialidade, sem demandar esforço”, em sua
entrevista ao caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo. Procurei rapidamente
comprar o livro no seu formato digital. Deveria ter seguido o conselho do
próprio autor e não ter tanta pressa assim.
A introdução tem
alguns momentos muito bons, como este trecho, em que critica o utilitarismo:
“no universo do utilitarismo, um martelo vale mais que uma sinfonia, uma faca
vale mais que um poema, uma chave de fenda mais que um quadro: porque é fácil
compreender a eficácia de um utensílio, enquanto é sempre mais difícil
compreender para que podem servir a música, a literatura ou a arte”. Ou então
este: “Precisamos do inútil como precisamos das funções vitais essenciais para
viver”. O que nos remete a uma frase do nosso poeta Ferreira Gullar: “A arte
existe porque a vida não basta”.
Foi com uma expectativa maior que comecei a ler a primeira
parte, “A útil inutilidade da literatura”, expressão que assinaria embaixo. O
primeiro texto, entretanto, me deu a primeira decepção, uma vez que há mais
críticas ao dinheiro do que propriamente uma exaltação à arte literária, usando
o clichê de que na sociedade prevalece mais o ter do que o ser: “... em formas
muito diversas e mais sofisticadas, ainda persiste uma supremacia do ter sobre o ser, uma ditadura do lucro e da posse, que atinge todos os âmbitos
do saber e todos os nossos comportamentos cotidianos”. Nos breves textos
seguintes, a tônica foi a mesma, num enfadonho mantra de que no mundo sempre se
visa o lucro e blá-blá-blá.
Confesso que perdi a vontade de continuar a leitura, e olha
que não costumo largar nenhum livro na metade do caminho, seja ele bom ou ruim.
Ainda tentei ler alguns ensaios da segunda parte, “A universidade-empresa e os
estudantes-clientes”. A reiteração do ódio ao lucro, no entanto, persistiu,
sempre se sobressaindo sobre o que realmente eu esperava ler: uma ode ao
inútil.
Sim, confesso. Acabei não lendo todo o livro. Ele não vai
entrar no cômputo de leituras que faço no final do ano. Talvez nem deveria estar
escrevendo sobre a obra. Porém, me empolguei tanto com as entrevistas do autor,
compartilhando-as, inclusive, nas redes sociais, que o tombo foi feio. Serve de
alerta para o leitor, pelo menos para aqueles para quem o lucro não é tão
demoníaco como pintam por aí. A propósito, o livro se tornou um best seller na
Europa, ou seja, gerou lucro, e o autor esteve no Brasil fazendo palestras para
promover a obra. Como diz Deus ao Diabo, ambos personagens num conto de Machado
de Assis: “As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo
tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.”
Cassionei Niches Petry
faz coisas inúteis, como ler e escrever. Também é professor de uma matéria
inútil, a literatura. Tem um blog inútil, no endereço www.cassionei.blogspot.com. Ou seja, é um sujeito inútil.
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