Uma confissão
Confesso aos meus alunos e aos meus (poucos) leitores: eu
menti para vocês. Sou um mentiroso, claro, até porque sou escritor (ou um
simples escriba) e os escritores são mentirosos. Faz parte do ofício, ainda
mais o de ficcionista. Como escritor, preciso convencer também que a leitura é
algo importante nas nossas vidas. Preciso ser lido. Para convencer, me armo de
argumentos e, entre as várias possibilidades de que disponho, um argumento
aparece com frequência, seja na minha fala em sala de aula, seja nos meus
textos na internet e nos jornais: a literatura nos torna inteligentes.
Confesso que menti, mas não menti apenas para vocês. Menti
para mim mesmo também. Leitor inveterado, apaixonado pelos livros, principalmente
os de literatura, precisava justificar meu desejo de ficar sozinho na minha
toca, na maioria das vezes tomando tempo de momentos com a família, para ler,
escrever contos, romances, crônicas e artigos, analisar, resenhar livros de
forma amadora, pelo simples fato de gostar de compartilhar conhecimento e
provocar o leitor. Queria ser mais inteligente. Ingenuidade. Parece que não me
tornei mais inteligente. E o pior. A julgar pelas redes sociais, avaliando as
postagens de gente que pensava ser inteligente, vejo uma enormidade de
idiotices perpetradas por mestres e doutores em Letras, em Filosofia, História
e em várias áreas do conhecimento. Vejo também quem não tem muita formação, mas
se vangloria por ser autodidata e conhecer boa parte da produção cultural da humanidade,
comprovando que a cegueira ideológica e a necessidade de provar que nunca errou
nas escolhas eleitorais toma lugar do pensamento lógico, do pensamento
ponderado depois de uma análise fria.
Surpreendo-me com os que se curvam fanaticamente ao seu líder
de esquerda ou de direita. Surpreendo-me ainda mais com o fanático que leu
muito mais obras da literatura e da filosofia do que eu. Surpreendo-me porque
os argumentos e analogias desse fanático têm a mesma profundidade do fanático
que nunca leu um livro ou leu apenas o que o partido sugeriu. Surpreendo-me com
a defesa de corruptos e mesmo com a defesa de suspeitos de corrupção. Se não se
pode julgá-los, também não é inteligente defendê-los. Muito menos é inteligente
defendê-los com comparações pobres, com distorções de citações, com afirmações tais
como “os outros também fizeram”, como se isso desse o aval para todo mundo
fazer.
Qual a postura de um intelectual, então, nesses tempos sombrios?
Se eu soubesse, diria. Não sou inteligente o suficiente para apontar caminhos. Não
digo “vai por este caminho”, mas sim pergunto “por que você não vai por um
caminho diferente?”. Como escreveu o poeta português José Régio, “Não sei por
onde vou,/Não sei para onde vou/Sei que não vou por aí!”
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