“Na subida do morro é diferente”
Estou lendo toda a
obra de Lúcio Cardoso. Escrevi no blog sobre Maleita e agora dou uns pitacos sobre seu segundo romance. Pelo
título, pela leitura do livro anterior e por ter lido uma vez sobre o escritor
ter sido enquadrado entre os romancistas de 30 no início de sua carreira,
pensei que Salgueiro se passasse no
interior de Minas Gerais de novo e que salgueiro fosse a árvore mesmo.
Trata-se, no entanto, de um enredo que conta a vida de alguns moradores do
morro que dá nome a uma das maiores escolas de samba do Rio de Janeiro.
Dividido em três
partes, “O avô”, “O pai” e “O filho”, a narrativa foca-se nos conflitos de uma
família pobre, que vive em um barraco alugado. Mais importante que as brigas, a
doença do velho Manuel, a conturbada relação do pai, José Gabriel, com sua
companheira, Rosa, e a vagabundagem do filho, Geraldo, são os conflitos
interiores dos personagens a tônica do enredo, preconizando, como se sabe, o
que viria nas obras subsequentes. O espaço externo ainda é determinante, como
em Maleita, tanto que o objetivo de
alguns dos personagens é sair do lugar. É o que fazem Genoveva, a avó, e sua
filha Marta, depois da morte do avô e a fuga de José Gabriel depois de ter
espancado Rosa e ela o ter denunciado por um furto.
É Geraldo, me parece,
o protagonista do enredo, apesar de o coletivo ser o grande personagem, como em
O cortiço, clássico naturalista de
Aluísio Azevedo. A divisão das partes no faz pensar nisso, bem como boa parte
do foco narrativo cair sobre ele. Jovem, vivendo no morro, órfão da mãe, “assassinada
num conflito no morro”, e não dando certo em nenhum trabalho, Geraldo é um
candidato à criminalidade, segundo seus próprios parentes. Mesmo se sentindo
desprezado pelo pai, ele fica no morro para procurá-lo depois da fuga, numa
tentativa de reaproximação.
Chamou minha
atenção, nas duas primeiras obras, a presença forte dos negros. Em Maleita, que se passa logo depois do fim
da escravidão, vemos seres abandonados pelos governantes, vivendo de forma
quase primitiva. De escravos na “casa grande”, passaram a escravos do destino.
Em Salgueiro, ambientado
provavelmente nos anos 30, os negros e mulatos também são marionetes das Parcas,
abandonados da mesma forma pelas autoridades, porém com perspectivas, ainda que
mínimas, de mudança. Aliás, é sobre o abandono por parte dos deuses, ou de Deus
mais especificamente, que Geraldo reflete perto do final do romance:
“Sim, o Salgueiro era uma terra condenada, uma terra
de exílio, sem culpa, ali é que eles pagavam a pena de não serem lembrados por
Deus (...). Por que ‘ele’ abandonava daquele modo as criaturas?”
Vou reler agora A luz no subsolo, romance que me
impressionou muito quando o li pela primeira vez. Era, porém, muito jovem e
pouco me lembro do enredo. Segundo os críticos, é o salto na trajetória de
Lúcio Cardoso. Só havia lido dele esse romance e a obra-prima, Crônica da casa assassinada, o suficiente
para me tornar um admirador do escritor mineiro.
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