Não seja o colonizador do outro
Em um texto antigo que
escrevi para a página de opinião da Gazeta do Sul, reclamava que os jovens não
se mobiliavam mais como em outros tempos, e que só se reuniam para fazer
badernas, depredar patrimônio público e reproduzir frases feitas, sem
argumentos para defender suas ideias. O artigo gerou uma resposta de um jovem
estudante (atualmente professor) através de e-mail, contestando minhas
afirmações. Passamos a dialogar sobre o assunto e nos tornamos amigos, apesar
da diferença de pensamento. Um fato raro quando pensamos na raiva que impera
nos debates ideológicos.
Oito anos depois, pouca
coisa mudou em relação aos protestos dos jovens e cada vez mais não vejo com
bons olhos essas falsas mobilizações. Estou mais velho, é verdade. Talvez por
isso, meu olhar distante, que vê as coisas por um viés diferente (culpa de
muita literatura e filosofia que entrou na minha cabeça), não enxergue a
autonomia necessária desse jovem que, a pretexto de mostrar independência e
pensamento crítico, torna-se na verdade fantoche nas mãos de líderes políticos
cujos interesses são obscuros.
“O sistema é mau, mas
minha turma é legal”, cantava Renato Russo, de forma irônica, pois ele percebia
que o discurso contra forças opressoras aliado a um coletivismo vazio não gera
resultados. Quando se percebe o mal comportamento do aluno em sala de aula em
relação ao professor e depois se vê esse mesmo aluno nas ruas ou ocupando a
escola para supostamente defender a qualidade da educação e valorização de seus
mestres, a contradição é evidente. Da mesma forma, desejam democracia em seu
discurso, no entanto tentam impedir as atividades profissionais de quem não
aderiu a greves, segundo vídeos que circulam pelas redes sociais, não aceitando
diálogo e ofendo aqueles que pensam diferente.
Impressiona ver
repetições de frases feitas, chavões que pouco acrescentam ao debate
democrático. Quando alguém cujo viés ideológico tenta estabelecer seu ponto de
vista, é prontamente rotulado de fascista, de reacionário, de direitista, tudo
no grito, quando não com ofensas pessoais. Em um dos vídeos a que assisti, um
aluno de um curso de Letras foi xingado, cuspido e insultado por dezenas de colegas
de faculdade porque usava a camiseta do deputado Bolsonaro. Temos que admitir
que seu gosto é bem discutível, assim como é discutível o uso da camiseta de Che
Guevara. Essa crítica, porém, deveria se dar no campo das ideias e não no da
força física ou na ditadura do cuspe, tão em moda atualmente, que o diga a
mulher agredida por um ator em um restaurante paulista, lembrando que ela também
errou ao criticar a ideologia do outro em local impróprio.
Há tantas coisas
erradas passando pelos nossos olhos, que tudo parece estar se tornando
normalidade. Ofender em qualquer lugar quem votou contra ou a favor do
impedimento da presidente, desacatar policiais, desrespeitar professor, tudo
está virando algo natural. Isso é perigoso, já diziam Brecht e Kafka. Os
leopardos do templo do aforismo kafkiano consomem nosso pensamento próprio e nada
fazemos para impedi-los, e isso passa a ser incorporado ao ritual.
Como escreveu José
Saramago, que considerava a palavra a arma mais forte a favor da libertação do
homem, “o trabalho de convencer é
uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro”. Portanto,
jovem, evite cometer os mesmos erros que os opressores cometem.
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