No Traçando Livros de hoje, "O som e a fúria", de William Faulkner
“Os relógios matam o tempo”
26 de julho de 2016
O crítico recebe uma
ligação do editor interino do caderno cultural para o qual colabora. Ele pede
para adiantar para esta semana a resenha que seria para a outra. Atordoado
pelas últimas leituras, o crítico, que é também escritor, despejava naquele
momento na tela em branco do seu computador as palavras que estão formando seu
próximo romance, ao mesmo tempo em que esboçava uma crônica para seu blog. Havia
anotado no seu moleskine de pobre algo
sobre o último livro lido, na verdade relido. Trata-se de O som e a fúria, de William Faulkner (Cosac Naify, 380 p., tradução
de Paulo Henriques Britto), romance arrebatador, que mereceria realmente ser
tema do Traçando Livros.
22 de julho de 2016
Um desavisado que
começa a ler O som e a fúria tem
vontade de desistir nas primeiras páginas. Linguagem difícil, enredo
aparentemente confuso, saltos inesperados no tempo de uma linha para outra. O
primeiro capítulo, intitulado “7 de abril de 1928”, é narrado por um deficiente
mental, um homem de 33 anos e uma cabeça de 3 anos. O que lemos são os seus pensamentos,
pois ele não fala, é a reprodução de tudo o que ouve e, principalmente, cheira,
as sensações olfativas é o que o liga ao mundo, é o que estimula o monólogo de
um indivíduo sem voz. Seu nome é Benjamin, apelidado de Benjy, que foi batizado
com o nome de seu tio, mas depois mudaram quando descobriram seu retardo
mental. A narrativa se passa no presente, pula para adolescência, chega à
infância de Benjy e continua nesse vai e vem, e só podemos nos localizar nessa
linha cronológica a partir dos criados negros da casa que cuidam dele em cada
uma das épocas: Luster, T. P. e Versh. Aconselha-se ao leitor que não tente
colocar lógica no enredo, apenas se deixe levar pelas palavras, no fluxo de
sensações que vão se desencadeando. A história ficará mais claras nos próximos
capítulos.
23 de julho de 2016
Não, não é verdade.
A história ainda não fica tão clara no segundo capítulo, que traz no título
outra data, “2 de junho, 1910”. Aqui o irmão de Benjy, Quentin, também num
furioso monólogo, relata acontecimentos da decadente família Compson, em mais
um tijolo da narrativa de uma “vida como perpétua decomposição”, como escreveu
um analista da obra. Quentin relata sua relação com a irmã Candace (Caddy), num
suposto caso incestuoso, e planeja seu suicídio. Estuda em Harvard a partir do
dinheiro adquirido pelos Compsons que venderam parte do terreno para um clube
de golfe, na primeira tacada que os levou ao buraco, com o perdão do péssimo
trocadilho. É a mais difícil e a mais analisada passagem do romance.
24 de julho de 2016
A terceira parte, “6
de abril, 1928”, é mais linear e a fúria não está na narração, mas sim nos atos
e diálogos de Jason, o terceiro dos irmãos homens da família Compson. Voltamos
ao tempo presente do enredo, porém um dia antes do primeiro capítulo. Sua
sobrinha, Quentin, nome recebido em homenagem ao outro tio depois de seu
suicídio, é uma jovem que “mata” aula para se encontrar com um artista de um
circo. Jason, por sua vez, a trata muito mal e a engana, roubando o dinheiro
que a mãe, Caddy, que fugiu de casa depois de dar à luz a filha, manda para ela.
O ódio entre os dois parentes é a tônica desse capítulo.
25 de julho de 2016
A quarta parte, em
terceira pessoa, tem o ponto de vista da que considero a personagem mais
importante da história, a empregada negra Dilsey, a responsável por manter
ainda de pé a casa, as pessoas, enfrentando o mau humor dos patrões,
principalmente da matriarca Caroline. Os pontos são ligados, o leitor se situa
melhor na história e tem uma visão mais clara dos acontecimentos, que se
esclarecerão mais ainda no apêndice que Faulkner acrescentou nos anos 40.
27 de julho de 2016
O crítico, o leitor,
termina seu texto, revisa o que escreveu, repensa a leitura, considera que
teria muitas coisas ainda para falar, por exemplo, sobre o povoado fictício de
Yoknapatawpha, onde se passa a maioria dos romances e contos de Faulkner, mas o
tempo e o espaço da coluna não o permite. Decide acrescentar, para concluir de
uma vez por todas, que o título do romance foi retirado da peça Macbeth, de Shakespeare: “a vida (...) é
um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada”. Para
quem gosta de desafio, mergulhar no universo desse livro é uma aventura intelectual
e emocional assombrosa.
Cassionei Niches Petry se diz escritor, mas deveria
ter vergonha de se denominar dessa forma depois ler Faulkner. É autor do romance
Os óculos de Paula e mantém um blog,
www.cassionei.blogspot.com.
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