Sobre "A luz no subsolo", de Lúcio Cardoso
A luz é uma
ilusão?
A luz no subsolo é o terceiro romance de Lúcio
Cardoso, mas é o primeiro mais relevante da obra do autor e na qual ele se foca
na ficção introspectiva, deixando de lado o regionalismo e o naturalismo das
primeiras obras. O enredo nos deixa angustiado desde o início. Não há tempo
para respirar, salvo nas mudanças de capítulo. Todos os personagens sofrem com
alguma coisa e o leitor sofre junto. Madalena sofre porque Maria, sua prima e
criada, vai sair da casa, sofre com sua mãe alcoólatra e sofre por causa do
marido, Pedro, que por sua vez sofre porque vai perder o emprego de professor, assim
como sofre devido a seu passado, sua culpa, e sofre por causa da dívida com
Bernardo, que sofre de amor por Madalena, que é também sua cunhada.
O sofrimento, por sua vez,
causa o medo. É o medo da presença de Pedro que faz Maria querer ir embora,
assim como a nova empregada, Emanuela, também tem medo dele (“Estava
imensamente pálida e, apesar de conservar o mesmo ar infantil, transpirava
violentamente da sua pessoa um medo extraordinário, um medo tão visível, que
chegava a lhe marcar no rosto uma expressão angustiada de terror”). Madalena
tem medo de Pedro atrás dos seus livros (“Os livros eram apenas uma trincheira.
Por trás das capas amarelas ela se sentia espiada, vigiada, escarnecida,
sensações idênticas a que experimentava Maria”) e Pedro tem medo do seu próprio
eu, simbolizado no “mendigo resignado”, um ser que aparece em suas alucinações
e com quem conversa.
Para Lúcio Cardoso, essa angústia e o medo são fruto de um mundo
sem Deus. É essa a posição que se pode interpretar, pois alguns personagens questionam
sua existência: “Nada me impede, pois, de me revoltar contra a ‘ideia’ de Deus”,
diz Pedro a Bernardo que, no final, sobre o cadáver do concunhado, diz que “somos
parcelas de um outro todo e esperamos um outro dia que não será aquele em que
Deus aparecer no coração dos homens”.
Não há, no entanto, nada de proselitismo religioso na sua obra,
mas sim a constatação do vazio interior do homem que nenhuma força divina
consegue suplantar, como afirma Pedro: “A noite é escura, se te estenderes na linha
férrea e a locomotiva despedaçar o teu corpo, Deus não te impedirá de morrer.
Experimente e verás que tu podes destruir a ti mesmo”. Podemos perceber a
atualização das tragédias gregas e do destino traçado, por mais que os deuses aparentemente
interfiram para ajudar seus protegidos.
Não há como fugir do subsolo da nossa existência. A luz não é para
ser alcançada. Ela existe somente para nos mostrar que ela está lá e mais nada.
Serve para nos manter na ilusão.
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