No Traçando livros de hoje , "Só faltou o título"
(Minha coluna no jornal Gazeta do Sul de hoje, Caderno Mix.)
Só falta você ler
Cassionei Niches Petry
Escritor frustrado
vomita impropérios sobre autores bem-sucedidos e editoras que não o publicam e
é julgado por assassinato de jovem amante. Este resumo, que cabe nos 140
caracteres do Twitter, não dá conta de apresentar o romance Só
faltou o título, de Reginaldo
Pujol Filho (Record, 322 páginas, disponível também em e-book). Não estamos apenas diante de mais uma ficção metaficcional
em que um escritor é o protagonista, tampouco leremos uma narrativa policial
tradicional. Temos à disposição, senhoras e senhores, mancebos e moçoilas, uma
obra ousada, que ainda não foi devidamente lida e analisada como deveria. Só
falta uma boa crítica, que ainda não será esta.
O narrador e
protagonista é Edmundo Dornelles. Em suas anotações, a que denomina de esforços
de memória, memórias esquecíveis e outras denominações, lembra o seu trabalho
de revisor de, segundo ele, “pseudoliteratura de quinta categoria” ou da “nata
do excremento da literatura nacional”. Enquanto isso, sua obra é desprezada
pelas mesmas editoras que solicitam seus serviços, entre elas a Record (e aqui
há citações de empresas e pessoas sem nenhum pudor). Também relata as
discussões com sua companheira, Babi, que o considera um inútil. Conflitos é o
que não faltam no enredo.
Ele menciona a todos
e a tudo pelo nome, sem poupar adjetivos negativos, inclusive amigos pessoais
do próprio autor do livro são alvos de Edmundo Dornelles: “a medonha L&PM
Editora”, Luis Fernando Verissimo é “um comediantizinho comunista”, a
Palavraria, de Porto Alegre, é uma “livrariazita metida à besta, antro de
idiotizados de oficina”, o Amílcar Bettega é “Amílcar Sei Lá o Quê”, o
Marcelino Freire é “Marcelino Qualquer Coisa”, o jornal Zero Hora é “um
embrulho de peixe com grife”, sua editora manda para revisar “coisas
insuportáveis de Cristóvãos Tezzas e Rodrigos Xerxeneskys e Altaires Martins
com suas bundamolices umbigólatras”. Nisso ele se assemelha a Marcelo Mirisola,
autor do romance A vida não tem cura,
seu lançamento mais recente.
Edmundo Dornelles é
um Paulo Coelho às avessas, pois vê o universo conspirando sempre contra ele e
nunca a seu favor. E sem vender nem 0,1% do que vende o mago. Sua obra,
publicada em “parceria” com uma editora sob demanda (esta uma das poucas
fictícias, pelo menos não a encontrei pesquisando no Google), se acumula em
caixas dentro de seu apartamento. É um "Escritor
Encaixotado", definição criada pelo Reginaldo Pujol Filho no ensaio sobre o
romance elaborado como dissertação de conclusão no Mestrado em Escrita Criativa
da PUC do Rio Grande do Sul. Se já me identificava com o narrador Eduardo
Dornelles, agora mais ainda, pois também me sinto um escritor encaixotado, não
conseguindo vender acima de três dígitos de volumes que foram publicados às
próprias custas.
Só falta dizer que o romance é muito,
muito bom. Divertido, prende o leitor até o final, pois queremos saber se
Edmundo realmente matou a jovem amante. Quando percebemos o que realmente
aconteceu, ainda assim ficamos na dúvida se o que ele narra é verdade ou não. Pujol
consegue, depois de escrever dois livros de contos, Azar do personagem e Quero
ser Reginaldo Pujol Filho (neste último, além da ousadia de pôr o próprio
nome no título, o escritor foi brilhante na imitação de estilos de diversos
escritores), elaborar um romance metaficcional de primeiríssima ordem. Só falta
você também lê-lo, caro leitor.
Cassionei Niches Petry é escritor e professor.
Publicou Arranhões e outras feridas e Os óculos de Paula, obra que, como o
romance de Reginaldo Pujol Filho, também serviu como parte de sua dissertação
de mestrado. Seu blog: cassionei.blogspot.com.
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