Escritores: lancem discos ou sejam jornalistas
A discussão será
longa, o debate acalorado, as opiniões irão divergir. Quem está sorrindo e se
vangloriando, no entanto, é quem não se importa com as fronteiras de gêneros,
desde que o seu gênero não seja o afetado. Qual o maior prêmio da música hoje?
Grammy, talvez, apesar de haver muitas categorias. E não há uma categoria que
contemple, sei lá, melhor disco de poema ou audiobook de um romance (ou tem?).
E se dessem um Grammy de músico do ano há um poeta que de repente lançasse um
disco com seus poemas musicados, mas sua carreira principal ainda seria a de poeta?
Qual seria a reação?
E o maior prêmio do
jornalismo? É o Pulitzer? E se um escritor ganhasse o Pulitzer de Jornalismo com
uma ficção sobre os conflitos no Oriente Médio? Os jornalistas, com um
corporativismo que lhes é peculiar (podem me atirar de cima de um penhasco,
caros jornalistas, que não gostam de quem, como eu, colabora com jornais),
assinariam manifestos para retirar o prêmio do intruso. Não à toa, há um
Pulitzer para a Literatura.
Essas questões me
vêm à cabeça, por motivos óbvios, depois de saber que o músico Bob Dylan, cuja
obra literária produzida mais relevante é feita em forma de canção, recebeu o
Nobel de Literatura de 2016 (ele que já recebeu um Pulitzer e sei lá quantos prêmios
Grammy) e também por lembrar que, no ano passado, a jornalista Svetlana
Alexievich ganhou o mesmo Nobel pelos ensaios jornalísticos.
Claro que uma das defesas do prêmio recebido por Dylan
é de que as raízes da poesia vêm da música. Não por acaso, esse tipo de texto
literário recebe o nome de lírico, devido à lira, instrumento que dava acompanhamento
às declamações. No entanto, o gênero foi se modificando e se desligou dos
instrumentos, mantendo a sonoridade, o ritmo, enfim, apenas com uso das
palavras. Solidificou-se, em contrapartida, a música como arte distinta, com
seus recursos próprios. A letra criada para a música existe em função da
música. Não deixa de ser poesia (inclusive utilizo letras de música nas minhas
aulas), mas o mais importante da música é a melodia (podem me corrigir,
músicos). A letra é secundária, apesar de ser, às vezes, o mais importante, porém
só no caso das músicas de péssima qualidade cujas letras também são ruins.
Acontece que a literatura feita por romancistas,
contistas, poetas, cronistas, ensaístas, dramaturgos (estes quando prezam mais
a palavra do que as cenas e a interpretação dos atores), aforistas, fabulistas
e outros é relegada cada vez mais ao limbo. Se o prêmio maior de Literatura,
nos últimos dois anos, não é dado a nenhum destes artistas que se dedicam a
trabalhar, burilar, dar novos significados à palavra e tão-somente a ela, vamos
relegar o trabalho literário tornando-o apenas mais uma forma de expressão, um
apêndice da música, do jornalismo, do cinema, dos seriados e novelas de
televisão ou da internet, da filosofia (lembrando que filósofos, como Bertrand
Russell, também foram premiados). E se o escritor sonha um dia ser um Nobel,
vai pensar seriamente em mudar sua forma de escrita, deixar de pensá-la cmo
literária, terá que aprender a tocar violão ou deverá escrever somente sobre
fatos concretos, abdicando da fantasia.
Comentários
Duvido até que suas excelências escutem o Bob Dylan (não julgo a qualidade da música do estadunidense, que é grandiosa). Certamente receberão uma saraivada de críticas. Um prêmio dado ao Javier Marias, ao Padura, ao Pinchon ou ao Mia Couto - apenas a título ilustrativo -, já pacificaria a nossa consciência literária.
O fato é, que, às vezes, até mesmo os entendidos têm o direito de errar.
a internet e especificamente spotify e o site de dylan (onde tem as letras) e youtube com os shows diminuíram muito a dor da perda de seus discos, sobretudo por mudança. no meu caso, ele teve uma outra função, a de me interessar por inglês, pq antes nem queria saber, porque, sabe, eles não fazem questão de saber portugues, essas criancices. a discografia dele acaba sendo um pouco a minha história, ah, em 1967 ele estava no estúdio com The band depois do acident, com a voz mais grave gravando Basement tapes, foi quando eu me mudei da Tijuca para Copacabana.
pessoalmente, até gostei porque o nobel e o oscar legitimaram meu gosto musical..."