O escritor e seu pai
Relutei um pouco em
reler A invenção da solidão, de Paul
Auster (Companha das Letras, 200 páginas, tradução de Rubens Figueiredo), já que sabia que um de seus temas é a relação paterna e que a narrativa
se iniciava com a morte do pai do autor. Meu pai morreu há pouco tempo e, como
Auster, também tive que “entrar na mente do meu pai”, no meu caso revirar sua
marcenaria, seu canto de trabalho, enquanto o escritor teve que mexer na casa
paterna. Nossos pais morreram com idades próximas, 66 e 67, e já não viviam com
suas primeiras esposas. O livro, além de tudo isso, nasce no ano em que nasci,
1979. Casualidades, que é, diga-se, outro tema da obra.
A primeira parte é
um ajuste de contas do escritor ainda em formação com o pai que recém-faleceu. Um
pai que inventou sua solidão é “inventariado” pelo filho que inventou também a
sua. Algo não resolvido entre os dois ganha uma tentativa de solução através da
escrita, porém sem sucesso: “Houve uma ferida e agora me dou conta de que é
muito profunda. E o ato de escrever, em lugar de cicatrizá-la como eu acreditava,
manteve esta ferida aberta.”
Na segunda parte, o
ato de escrita é a sua solidão. “Passou a maior parte da sua vida de adulto
inclinado sobre um pequeno retângulo de madeira, concentrado em retângulo ainda
mais pequeno de papel branco. Passou a maior parte de sua vida de adulto
sentando-se, pondo-se de pé e dando passeios de um lado para o outro. Esses são
os limites do mundo conhecido.” O livro é o produto dessa solidão: “Cada livro
é uma imagem de solidão. É um objeto tangível que se pode levantar, apoiar,
abrir e fechar, e suas palavra representam muitos meses, quando não muitos anos
da solidão de um homem, de modo que com cada livro que se lê pode se dizer a si
mesmo que está enfrentando a uma partícula dessa solidão. Um homem se sente
sozinho em um quarto e escreve. O livro pode falar de solidão ou companhia, mas
sempre é necessariamente um produto da solidão.”
Estive mais uma vez
na marcenaria do meu pai. Como ficou abandonada e não sabíamos o que fazer com
ela, acabou sendo invadida e esvaziada. Levaram quase tudo que podiam levar. Em
meio a algumas caixas atiradas pelo chão, encontrei uma carteirinha de um clube
com sua foto, da época em que tinha 35 anos, mais ou menos a idade que tenho
hoje. O olhar do pai mais jovem se encontra com o do filho, e o olhar diz “eu
falhei na vida, mas também fiz coisas boas. Falhe e faça coisas boas também,
meu filho”.
É o que venho
tentando fazer, meu velho, é o que venho tentando fazer.
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