Notas de leitura sobre El astillero, de Onetti
El astillero, de
Juan Carlos Onetti, serve como metáfora para uma porção de coisas. Penso agora
numa metáfora para a política nacional, em que pese ser uma obra de um
uruguaio, publicada nos anos 50. A literatura, pelo menos a boa literatura, nos
proporciona esse tipo de reflexão.
Larsen, o protagonista, apelidado de Junta-Cadáveres, volta
para a cidade de Santa Maria depois de cinco anos de sua saída involuntária
(que será tema do romance posterior de Onetti). Consegue emprego numa
localidade próxima como gerente de um estaleiro em decadência. Apesar de
falido, seu proprietário, Jeremías Petrus, ainda pensa que está no auge e
oferece a Larsen um bom ordenado como gerente. Este, por sua vez, flerta com a
filha do patrão, uma mulher com problemas mentais, com o objetivo de herdar a
empresa e a suposta fortuna da família. Há ainda alguns funcionários que
resistem às dificuldades financeiras vendendo por debaixo dos panos as máquinas
do estaleiro.
Como se não bastasse, Petrus vendia ações falsificadas da
companhia, tentando assim valorizá-la. Detentor de uma delas, Gálvez, um dos
dois funcionários remanescentes, delata às autoridades a falcatrua e o dono é
preso, alegando motivos nobres para ter feito o que fez e ainda com esperança
de prosperidade. Frustrado, Larsen vai embora e morre de febre algum tempo
depois.
A história é aparentemente banal e sem graça, porém é
narrada de forma magistral por Onetti. Fosse de outro escritor, eu abandonaria
a narrativa. O livro parece o próprio estaleiro: decadente, em ruínas, mas
mesmo assim acreditamos no seu potencial, o defendemos e Onetti no engana com
suas falsas expectativas, tal Petrus com suas ações.
Assim é nosso país hoje. Decadente, em ruínas, não consegue
consertar mais nada, mesmo assim há os que desejam comandá-lo, seduzem seus filhos,
que caem na sua lábia, falsificam nossas esperanças e quem delata as falcatruas
cometidas por seus comandantes também cometem suas falcatruas, vendem o que não
é seu para se beneficiar. O final do país tem tudo para ser tão melancólico
quanto El astillero.
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