"A leitura está proibida", minha crônica na Gazeta do Sul de hoje
A
leitura está proibida
O
título é quilométrico, inspirado em edições antigas: Pequeno
divertimento sobre literatura em cem lições também conhecido sob o título
Substâncias Perigosas em que se explica por que meios os livros matam os seus
leitores & onde se dão variados e mui instrutivos exemplos ao alcance do
comum dos mortais. Ufa. O autor é Pedro Eiras, português,
daqueles sobre os quais a gente pergunta, mas por que diabos não se encontra
mais nada dele por aqui?
Doravante
chamaremos o livro (ensaio, romance, crônica, divertimento, ou “monólogos de
personagens sem romance”?) pelo seu título principal. Substâncias
perigosas nos traz um estudo sobre os perigos que a literatura pode
causar ao indivíduo, principalmente a morte e, mais ainda, o suicídio. Como sou
contra qualquer tipo de droga (café não é droga, combinado?), aconselho o
leitor a se afastar deste livro. Não só dele, como de qualquer outro (inclusive
os meus). Literatura vicia, faz mal. “A literatura mata”, lemos na primeira
linha do livro. “Mata como um veneno no sangue (...). Infiltrado, o veneno
literário torna-se carne, a ponto de já ninguém saber quem pensa dentro de si:
a ilusão da voz original, ou a das personagens que entraram sem pedir licença.”
Os
livros deveriam ser proibidos. Seu conteúdo é fatal. Não deveria haver
bibliotecas nas escolas, pois os alunos que as frequentam e, pior, retiram
livros delas, ou pior ainda, os leem, se envenenam. Há professores que obrigam
os alunos a lerem, sendo que deveriam proibi-los de fazê-lo. “Todos os livros”
escreve Pedro Eiras, “de algum modo, são errados. Porque nos desencaminham,
isto é, fazem com que erremos o caminho, com que caiamos nos atalhos
perigosos.”
Durante
muito tempo fui um professor que desencaminhou os alunos, levei-os para caminhos
perigosos. De agora em diante, proibirei a leitura de livros aos meus alunos.
Não vou mandá-los ler as memórias de um defunto mau caráter, não os
apresentarei a um ciumento doentio que acredita que a sua mulher o traiu com o
melhor amigo, não deixarei que encontrem a história de um estudante que se
julga extraordinário e por isso mata uma velhinha agiota para chegar a seus
objetivos de grandeza, não proporcionarei a leitura de um sujeito que se
transforma em um inseto e não vai trabalhar, não quero que leiam sobre uma
mulher que engole uma barata ou sobre outra que tem dois maridos, não, não,
jamais os farei se envenenarem com as ideias de um fidalgo que luta contra
moinhos de vento pensando que são gigantes ou com as ideias de liberdade de um
certo capitão.
Leitores,
ler é proibido.
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