João Gilberto: a arte, o artista, o público



Ouvir a arte de João Gilberto é algo único. Ao assisti-lo em vídeos na internet, uma enxurrada de reflexões estéticas me veem à mente, ainda mais no dia de sua morte.

Penso primeiro no indivíduo que pratica sua arte na solidão. Apenas ele e seu violão junto ao peito. Ele experimenta, realiza, se arrisca, cria, recria, faz referências a outros estilos, além da bossa nova, que ele criou, explora o instrumento ao limite, buscando sonoridades distintas, inventando técnicas de tocá-lo, etc. E mais: o cabelo bem cuidado, o terno impecável, a delicadeza ao dedilhar o violão e pronunciar as palavras, o microfone austríaco, a exigência quanto à qualidade do som, a luz sobre ele, mais parecendo emanar de seu corpo curvado, tudo contribui para o efeito estético. Estético vem do grego aisthesis, significando sensação, sensibilidade. O alvo das sensações, além do próprio artista, que também busca se satisfazer esteticamente, pode não parecer, mas é o público que, num show, soma a sensação individual com a de seus vizinhos, que explodem num êxtase quando a arte consegue atingir a todos. O coletivo canta junto, baixinho, se mexe na cadeira, aplaude, sorri, chora, enfim. Responde de tal maneira ao artista que ele retribui se esmerando para fazer cada vez mais e melhor, buscando a aprovação e, consequentemente, sua satisfação pessoal.

Não gosto de ir a shows, cinema, teatro, sarau. Aprecio-os de outra forma aqui no meu canto, na minha biblioteca, através dos meios proporcionados pela internet. Não gosto dessa catarse coletiva, de ser influenciado pelo outros, de muitas vezes ter que aplaudir algo de que não se gostou para não ferir suscetibilidades ou ser aceito pelos demais. Acho lindo, no entanto, ver a reação das pessoas pelo que o artista está fazendo, às vezes até quando não gosto do que este faz. É uma prova de que a arte mexe com o indivíduo e, se ela serve para alguma coisa é para isso, para tirar o sujeito de seu mundo, elevá-lo intelectualmente ou, vá lá, espiritualmente, fazê-lo fugir da realidade ou repensá-la.

Enfim, são devaneios de quem, no aconchego de seu canto íntimo, se transportou para tempos e lugares distantes, investindo minutos de seu dia para apreciar uma obra de arte, o artista que a cria ou recria e o público que reage a ela. E é uma forma de homenagear o gênio.

(A propósito, este texto é uma recriação, para não dizer autoplágio, de outro que escrevi. Se tiver curiosidade, procure-o no blog.)

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