Minha crônica no jornal Gazeta do Sul de hoje
A arte de desviar dos buracos
Andar pela cidade “de a pé”, como se dizia antigamente, ou
de carro, é a arte de desviar dos buracos. Ou pelo menos tentar desviar. É como
a pedra no meio do caminho do poema de Carlos Drummond de Andrade: são
obstáculos da vida que podemos contornar, pular, quebrar ou chutar (no caso da
pedra), tapar (no caso do buraco) ou que nos fazem parar (esperando que algo
aconteça e as tire do caminho) ou quem sabe voltar, ir para trás, afinal não há
nada a se fazer.
Para os pedestres, os riscos de se tropeçar ou pisar em
falso nos buracos das calçadas são enormes. Mas viver já é um risco, disse
alguém que o buraco da memória deste cronista não permite lembrar. Então, que
se viva com esses buracos e se arque com as consequências, ora! Não reclamem
aos órgão públicos, que têm coisas mais relevantes para fazer na nossa cidade,
como paradas de ônibus de primeiro mundo. Para que caminhar? Caminhem menos,
fiquem parados nas paradas, usufruindo de ar-condicionado, internet. Esperem o ônibus,
mas não esperem solução.
E também não usem seus carros. Se há buracos nas nossas
ruas, é porque há veículos demais andando nelas. Isso desgasta nossas vias. Não
façam como este cronista, que escreve estas linhas tão esburacadas como seu
cérebro, pois ele gastou muito do seu parco salário de professor para consertar
os amortecedores de seu “auto”, como muitos ainda chamam, pois teima em dirigir
passando por cima de buracos, valetas, crateras, paralelepípedos irregulares e
muitas pedras cujas pontas são sedentas por estourar pneus (o lugar onde o
cronista mora, que ironia, é conhecido como Motocross). Deve-se entender, no
entanto, que a prefeitura tem coisas mais importante para fazer como, por
exemplo, atender os milhares de ciclistas conscientes que deixam os carros na
garagem e percorrem alguns míseros quilômetros das ciclovias sem buracos. Mas não
há tantos ciclistas utilizando essas vias, me questiona o caro leitor. Ora,
faça como este cronista, use a imaginação que você os verá aos montes! E seja
ecologicamente correto, que os buracos não serão mais problema.
Lendo o Dicionário de
Símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, o cronista descobre que o
buraco simboliza a abertura para o desconhecido ou uma porta para outro mundo. O
medo é botar o pé fora de casa, e cair em um deles e sair, sei lá, na China.
Isso me leva a crer que isso tudo pode ser um novo projeto, dentre tantos da
prefeitura, proporcionando a quem paga impostos um turismo diferenciado. O
cronista e você, caro leitor, não têm o que reclamar.
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