Sobre "Escrever ficção", de L. A. de Assis Brasil
No caderno de Sábado do Correio do Povo de Porto Alegre.
Para escrever (e ler) literatura
Proponho-me a escrever uma crítica sobre um livro. Por
certo, gostaria que meu texto fosse lido. O livro em questão aborda a escrita,
não a que faço aqui, mas sim a literária (apesar de considerar o gênero crítica
como tal), especificamente de ficção. Propõe-se a ensinar as técnicas da
escrita criativa, pelo que se pode interpretar pelo subtítulo. O objetivo é
municiar o escritor com armas que, devidamente direcionadas ao leitor, o façam
seguir a leitura. E não há nada que não façamos se tivermos uma arma apontada
na cabeça.
Não, não era assim que eu gostaria de iniciar a crítica.
Volto ao princípio.
Assim como este plumitivo que ora escreve, a preocupação de
um autor é escrever e ser lido. Por isso ele pensa e repensa formas de começar,
desenvolver e concluir o projeto, no intuito sempre de atrair a atenção do
leitor. Não apontarei nenhuma arma na sua cabeça, meu caro (muito menos uma
pena – o teclado do computador, talvez), mas espero que tenha conseguido
despertar sua curiosidade, tanto para permanecer nesta página e, depois dela,
ler a obra analisada.
Sem mais delongas, vamos ao livro. Quando se é novo no ramo,
ou nem tão novo assim, qualquer ajuda é bem vida. E se essa ajuda for de um
grande escritor, há quem invista dinheiro, viaje quilômetros e largue até o
emprego para ouvir, aprender e ser lido por esse mestre. Alguns sonham com uma
carreira promissora. Outros, simplesmente, querem ser lidos. Há quem deseje
apenas se aprimorar. Uma determinada oficina literária, uma das mais antigas do
país e ministrada por um grande romancista, numa igualmente grande
universidade, é o espaço onde se pode treinar habilidades para se chegar a
algum lugar de destaque. Muitos nomes que passaram por essa oficina comprovam
sua eficácia.
Não disse o nome da obra ainda. Já chegaremos lá. Antes é
importante dizer que uma das lições para se criar uma narrativa que envolva o
leitor é a elaboração de um conflito que esteja “interligado à questão
essencial do personagem” (isso está no livro). Digamos que nossa personagem
seja a Oficina e que sua questão essencial é ensinar a quem se propõe a
escrever a fazê-lo da melhor forma possível. Suponhamos, também, que há um
personagem que não concorda que a Oficina possa realizar isso, além de
considerá-la como uma fraude ou caça-níquel. Demos a ele o nome de J. H.
Dacanal, que escreveu um artigo demolidor, que depois foi publicado em livro (Oficina literária: fraude ou negócio sério?,
Editorial Soles, 77 páginas). Esse antagonista (termo que não agrada o
professor da oficina) fala representando parte dos intelectuais que desprezam
qualquer curso de escrita criativa. Na minha leitura, este “vilão” (às vezes
sou simpático aos vilões) quer mostrar a todo o mundo que a Oficina não tem valor.
Pois o livro (já direi qual é, impaciente leitor) é uma forma de narrar o
percurso da nossa protagonista para provar sua relevância.
O narrador da obra é o professor, o mestre, o romancista
Luiz Antonio de Assis Brasil. O romance que conta as aventuras da Oficina tem o
título (ufa!, suspira o leitor deste jornal) Escrever ficção: um manual de criação literária (Companhia das
Letras, 396 páginas). Assis Brasil também é personagem (o “poderoso da
história”), assim como um certo Thiago (adjuvante ou personagem secundário?),
que dialoga em vários momentos com o mestre. Entre as várias lições que vão
guiando a jornada dos heróis dessa história, se aprende, por exemplo, que ter
talento é uma “ideia anacrônica e, pior, preconceituosa”; que “é o personagem,
quando bem construído, que dá sentido a
tudo o que acontece na história; que “se não há conflito, não há interesse no
leitor e, portanto, não há literatura”; que “escrever ficção é tramar”; que a
escolha errada de quem narra a história, a focalização, pode jogar todo um
trabalho fora; que “não há espaço inocente
na narrativa”; e que o “tempo, para todos nós, e para qualquer personagem,
é o ontem, o hoje e o amanhã, tudo misturado”, mas deve-se ter cuidado para que
seu uso “não seja uma coisa mecânica”.
Vale destacar ainda o capítulo sobre o estilo. O ideal seria
escrever com períodos longos, muitas vírgulas, ocupando “uma mancha gráfica
compacta” na página, estilo ao qual se dá o epiteto de “abundante”? Ou o melhor é o estilo essencial? Enxuto.
Ágil. Frases incisivas.
O desfecho dessa jornada é um capítulo apresentando um
“roteiro para a escrita de um romance linear”, que não verdade é um resumo do
que se viu em todo o manual.
Para ampliar e demonstrar suas lições, o professor se
utiliza de muitos exemplo do que se escreveu até hoje, dos clássicos aos
contemporâneos, incluindo obras de ex-alunos da Oficina. E é aí que o livro
pode atingir um público maior, pois as análises também ensinam a ler um texto
ficcional. Esse, aliás, costuma ser o argumento quando se defende a importância
das oficinas: se não formam escritores, podem formar melhores leitores. Por
isso não ficaria ruim se a obra se chamasse “Ler ficção: um manual de
apreciação literária”.
E Finis coronat opus.
(Cassionei Niches
Petry é crítico literário e escritor. Autor de Os óculos de Paula e Cacos e
outros pedaços.)
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