O perigoso canto das sereias



por Cassionei Niches Petry, um cronista frustrado 

No imaginário atual, as sereias são criaturas híbridas, metade mulher e a outra metade peixe. Na mitologias rega, no entanto, são mulheres com corpo de ave. Há representações em vasos antigos que trazem a imagem delas voando ao redor do barco de Ulisses, num dos episódios da Odisseia, de Homero.

No mito, elas não eram seres amáveis e inocentes como a pequena sereia do conto de Andersen. As lendas semelhantes de outros lugares, como a da Iara, no folclore brasileiro, apenas reforçam o caráter sedutor e destrutivo das criaturas. Deveríamos manter distância delas? Deveríamos fechar os ouvidos para o seu canto?

Antes de Ulisses, conta-se que o navio Argos, na expedição em busca do Velo de Ouro, passou pela ilha das Sereias. Orfeu, no entanto, tocou, com sua lira, uma melodia muito mais bela do que a música das criaturas e, por conseguinte, os Argonautas não foram atraídos para as rochas. Ao praticar uma arte mais bela, Orfeu simboliza a boa música que nos salva da mediocridade.

Ulisses, por sua vez, era curioso, queria ouvir o canto das Sereias. Ele então tampou com cera o ouvido dos seus marinheiros e foi amarrado por eles no mastro da embarcação, podendo, com isso, ouvir o canto sem o perigo de se atirar no mar e perecer. Ulisses até tentou se livrar das cordas, mas seus companheiros foram firmes em não soltá-lo e apertavam mais ainda os nós. A expressão “se deixar levar pelo canto da sereia” ganhou a conotação de se deixar ser arrastado para o mal caminho, como o das drogas, por exemplo. Bons amigos nos livram dos perigos, nos alertam.

A música nos seduz e às vezes nos desvia de objetivos mais práticos do dia a dia. Quantos alunos vejo a minha frente com seus fones de ouvido no último volume e que, por isso, não estão prestando atenção nas lições? Machado de Assis já nos alertava sobre esse canto da sereia no seu “Conto de escola”.

Pilar é um aluno inteligente, que aceita uma moeda de prata de um colega para “uma troca de serviço”, que seria explicar “um ponto da lição de sintaxe”. Acaba sendo descoberto devido a uma delação de outro colega e apanha do professor. No outro dia, mata a aula, seduzido por um batalhão de soldados marchando ao som de um tambor.

Pilar foi atraído por dois cantos das sereias: o dinheiro fácil em troca de favores, como nossos políticos, e a música, que para os estudantes de hoje é o “tamborzão” do “funk carioca”, que destroça os cérebros assim como as criaturas mitológicas faziam com os inocentes marinheiros.

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