Crônica: Não há vacina contra a ignorância

 


Meu avô materno foi finalmente vacinado, junto com outras centenas de idosos da minha cidade, contra o vírus que mudou nossas vidas. Ele está na faixa dos 90 anos, tem a saúde debilitada, é verdade, mas uma lucidez impressionante, um humor fora do comum, sempre com tiradas espirituosas e uma memória invejável. Ele é meu herói, com os defeitos que todo o herói tem. Não à toa seu nome é Allão Quartemar, nome inspirado num personagem da Literatura.

Segundo as histórias que ouvi da família, meu bisavô, José Altivo Pereira dos Santos, um tropeiro, gostava muito de ler. Resolveu, então, batizar alguns de seus filhos com nomes inspirados em suas leituras. Um dos seus livros preferidos era “As minas do rei Salomão”, do inglês Sir H. Rider Haggard, romance de aventura adaptado também para o cinema. Quando o Seu Allão, como é conhecido, nasceu, meu bisavô queria que ele se chamasse como o personagem principal, Allan Quatermain. Como o escrivão não aceitou o nome estrangeiro, teve que ser aportuguesado. Esta é uma versão da lenda familiar. Acredito, no entanto, que o livro tenha sido lido na tradução de Eça de Queirós, no português de Portugal, em que o protagonista é Allão Quartemar mesmo.

É sempre curiosa a forma como nomeamos as pessoas e as coisas, O vô Allão tomou a primeira dose da Coronavac, nome estranho que nos remete à vaca. É que a palavra vacina tem essa denominação porque vem do latim “vaccinus”, que significa “derivado da vaca”, pois a primeira vacina, contra a varíola, surgiu em experimentos feitos em bovinos. Vejam a importância da vaca, do qual extraímos leite e carne, e que ainda por cima é um animal sagrado para algumas religiões. E há quem use o termo como uma ofensa a algumas mulheres!

Pois a palavra vacina também ganha significados figurados com o decorrer do tempo. Estar vacinado tem o sentido de ser experiente em uma situação negativa para não mais repeti-la. Estou, por exemplo, tão vacinado contra as frustrações que meu time de futebol me deu nos últimos anos, que não nutro esperanças com relação a seu desempenho no campeonato. “Felizes os que nada esperam, nunca serão desiludidos”, escreveu o francês Nicolas Chamfort.

Por isso estou vacinado contra os governantes. Entra um e sai outro, e nossos problemas nunca são resolvidos. O atraso na vacinação em nosso país comprova a máxima do Barão de Itararé: “De onde menos se espera, aí é que não sai nada”. Ainda há, porém, quem espere alguma coisa de um presidente que nega a vacina e o siga como o gado indo ao abatedouro, dando as costas para os avanços da ciência. Aí a vaca vai pro brejo.

Cassionei Niches Petry – professor

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