Deprimido, mas escrevendo como uma locomotiva
Como acontece com quase tudo que foi lançado de Roberto Bolaño postumamente, exceção feita ao monumental “2666”, “A universidade desconhecida” é destinada aos iniciados em sua obra. Organizada pelo próprio Bolaño, o volume que reúne quase toda a poesia do escritor chileno de culto, foi lançada neste ano pela Companhia das Letras numa edição bilíngue, com tradução de Josely Vianna Baptista.
Parte de um conjunto de escritos organizados em manuscritos,
dactiloscritos e arquivos de computador por Bolaño encontrados no que seria o
“baú do autor”, como o de Fernando Pessoa, o volume surgiu em 2007 para pegar a
onda da “bolañomania” que aconteceu principalmente depois de sua morte, em
2003, por complicações hepáticas, sendo que a própria obra nasceu após o
diagnóstico da doença, em 1992, o que despertou a preocupação de Roberto pelo
futuro financeiro de seu filho, Lautaro. Muitos poemas são inéditos, outros
foram publicados em livro, como “Los perros românticos”, e até como romance,
caso de uma seção chamada “Gente que se afasta”, poemas em prosa publicados sob
o título de “Amberes”, em 2002. De forma enviesada, portanto, o romance, um
livro dentro de outro livro, ganha a primeira tradução no Brasil.
Quando digo que “A universidade desconhecida” é para
iniciados, é porque o melhor Bolaño está na prosa, nos romances e contos,
embora ele se considerasse poeta e escreveu romances porque sabia que teria
mais possibilidades de vender, assim como escreveu contos para participar de
concursos literários e receber prêmios em dinheiro. Era um caçador de
concursos. Mas ele não escrevia por dinheiro, que fique claro. Ele queria
sobreviver apenas com a Literatura, se dedicar somente a ela e sem se vender
fazendo algo sem comprometimento estético. Segundo o crítico Matías Ayala,
Bolaño deixou de escrever poesia para escrever sobre poetas.
A melhor poesia de Roberto Bolaño, no meu ponto de vista,
está justamente na mais prosaica ou narrativa, em que o escritor é personagem,
ele próprio ou algum alter ego, em que o escrever é o tema, em que a vida do
escritor é o foco, até quando não está escrevendo, mas sim buscando outros
meios de sobrevivência. A conturbada vida de Bolaño aparece desde quando teve
que trabalhar como vigilante em um camping em Barcelona (“Trabalhei 16 horas no
camping e às 8 / de manhã tinha 2200 pesetas”), onde foi morar fugindo da
ditadura de Pinochet, até chegar à doença que iria lhe tirar a vida (“No final
de 1992 ele estava muito doente / e tinha se separado da mulher. / Esta era a
maldita verdade: / estava sozinho e fodido / e costumava pensar que lhe restava
pouco tempo”).
Como o livro traz poemas que foram escritos entre 1978 e
1993, o aspecto geográfico conta muito, representando o nomadismo do escritor.
Em “Manifesto mexicano”, que é na verdade um conto e também apareceu como
capítulo do romance póstumo “O espírito da ficção científica”, os personagens
percorrem os banhos públicos na capital do México, descrevendo o submundo das
grandes cidades e seus peculiares habitantes em busca do prazer.
O meu poema preferido de Bolaño, no entanto, está
reproduzido na “Nota dos herdeiros do autor”, no início do volume. “Minha
carreira literária” fala dos seus originais recusados pelas editoras no início
de carreira, mas também da persistência: “Escrevendo até que a noite caia / com
um estrondo de mil demônios. / Os demônios que hão de levar-me ao inferno, /
mas escrevendo”.
***
Ao contrário de Roberto Bolaño, não sou persistente. Esta é
minha última crítica literária.
Comentários