Suicídio aos 33
http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/360098-suicidio_aos_33/edicao:2012-08-01.html
É graças a best-sellers como Ágape, do Padre Marcelo Rossi (que gerou um filho, o Agapinho... ops, filho do livro, que
fique bem claro), detentor da marca de 8 milhões de exemplares vendidos, que a
literatura artisticamente mais elaborada, como a do argentino Antonio Di Benedetto (1922-1986), pode
ser publicada por grandes editoras como a Globo. É um escritor que interessa
àqueles poucos leitores apreciadores de uma narrativa que não visa apenas o
entretenimento ou que diga coisas confortáveis, edificantes. A grande
literatura é aquela que incomoda, que destrói nossas certezas.
Os suicidas (tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro) é o
terceiro romance de Di Benedetto. Publicado em 1969, faz parte da Trilogia da espera, composta ainda pelos
romances Zama e O silencieiro (todos publicados pela Editora Globo). O protagonista
é um jornalista, cujo pai se matou aos 33 anos, numa sexta-feira. Ele está prestes
a completar a mesma idade, justamente nesse dia da semana: “nunca havia me
preocupado seriamente com isso, mas, quando cheguei perto dessa idade, a
lembrança adquiriu vivacidade para meu espírito”. Como se não bastasse, seu
chefe lhe incumbe de trabalhar numa série de matérias sobre o suicídio: “O
mistério dos que se matam”. Passa a investigar, junto com sua colega, Marcela,
o que leva o indivíduo a cometer tal ato. Para o protagonista, no entanto, a
pergunta é diferente: “a questão não é por que me matarei, mas sim por que não
me matar”. O leitor, durante toda a narrativa, se pergunta: será que ele vai
ser mais um a engrossar a lista dos que decidem deixar de viver?
Os primeiros contos do livro de estreia de Antonio di
Benedetto, O mundo animal, já trazem o
tema quando borboletas com “propósitos suicidas” entram dentro da boca de uma
personagem ou quando um filho emudece depois de ver seu pai “pendurado no cano
da ducha”. Em Os suicidas, além da
autoimolação paterna, também aparecem, nas investigações dos jornalistas, suicídios
de animais: “O cachorro se joga sobre o túmulo do seu dono e se deixa morrer. O
escorpião se crava seu próprio ferrão e perece”. Na verdade, diz o narrador,
“os irracionais não se suicidam (...), eles ignoram que vão morrer e menos
ainda poderiam conhecer como se matar”. De acordo com filósofos como Albert
Camus e David Hume, citados na investigação dos dois jornalistas, a morte
voluntária pode ser uma questão filosófica e há motivos favoráveis e contrários
para o ato, sendo que é a reflexão profunda e racional que nos aproxima ou nas
afasta desse limite. “Destruir a si próprio é um privilégio da absurda condição
humana.”
O 33 é um número recorrente quando se fala em suicídio. O
caso mais notório é o de Jesus Cristo que, segundo os relatos bíblicos,
entregou sua própria vida aos 33 anos de idade para curar os pecados do mundo.
Lógico que os fiéis não vão usar essa expressão, mas, pelo contexto da morte,
tendo em vista que Jesus era Deus e, consequentemente, poderia se salvar e não
o fez, podemos dizer que houve a chamada morte voluntária nesse caso. Polêmicas
à parte, o tema é doloroso para quem teve um familiar ou amigo que praticou
esse ato tresloucado. Porém, são questões humanas como essa, que nos angustiam,
a matéria-prima da boa literatura.
Cassionei Niches Petry
é professor e mestrando em Letras, com bolsa do CNPq. Amanhã fará 33 anos, mas
não vai se suicidar, pois deseja ver seu primeiro livro publicado no final
deste mês. Escreve quinzenalmente para o Mix e mantém o blog
cassionei.blogspot.com.
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