A escola não é assassina
Atentem para a seguinte declaração do escritor Ferréz, autor
de Capão pecado e Manual prático do ódio, dada no programa
Provocações da TV Cultura: “os professores tinham que ser
treinados para ter amor pela literatura, porque a escola é uma assassina de
leitores, quando ela manda resumir um livro em 20 dias ela assassina
qualquer tipo de leitor futuro.”
Essa afirmação é de um total desconhecimento tanto de
educação quanto de formação do leitor. Primeiro porque não é papel da escola
fazer com que o aluno goste de literatura, mas sim mostrar a ele tudo que se fez
de importante na história da humanidade em matéria de cultura, arte, pensamento.
Aí se inserem as obras literárias. Geralmente, é um mundo do qual o educando
tenta se afastar de qualquer forma, afinal há outras prioridades na sua vida
que ficam a quilômetros de distância do conhecimento. O que é normal. Não é por
isso que o professor vai deixar de, pelo menos, dar a oportunidade do jovem
conhecer esse mundo. Se não o fizesse, estaria sonegando o acesso ao saber.
Não é a escola que assassina o leitor. Eu até pensava dessa
forma e escrevi um artigo, intitulado “Crônica de uma literatura assassinada”,
em que me culpava por supostamente afastar os alunos dos livros. Penso um pouco
diferente hoje. Claro que há muitos professores que dão aulas de língua
portuguesa e não gostam de literatura. Esses são perigosos. Muito, porém, como
eu, são apaixonados por ela, mas se veem obrigados a solicitar trabalhos porque
os alunos não leem de forma nenhuma, a não ser por pressão. E aí vem o segundo
ponto, a formação do leitor. Simplesmente há aqueles que têm mais aptidão para
gostar de ler e outros não. É o caso do próprio Ferréz. Despertado por leituras
de Hermann Hesse, ele acabou buscando outros autores e livros, criando sua rede
de escritores preferidos. Nenhuma escola o tirou essa paixão, nenhuma
influência de outras pessoas o fez mudar de caminho. Se há assassinos da
literatura, elas são os diversos tipos de entretenimento que são mais interessantes
do que um livro. O jovem até poderia conciliá-los, mas não o faz, por diversos
motivos, entre os quais ouvir pessoas dizerem que cumprir tarefas não é
prazeroso e, por isso, não deve ser feito.
Quando um escritor
vem a público fazer uma crítica sem fundamento à escola, mais alunos vão ver
nela uma inimiga. Ferréz faz um grande desserviço, ele que é uma espécie de porta-voz
da periferia, dos desassistidos da sociedade, até porque também milita na
cultura Hip Hop. Ele deveria dizer "molecada, vamos estudar e ler. Se é
chato ou não, não importa, o importante é construir conhecimento. Os professores
não são inimigos. Se eles pedem para resumir ou falar para a turma sobre um
livro chato, é porque esse livro, em algum momento, disse alguma coisa para
humanidade e continua dizendo, caso contrário, como muito outras obras, já
teria caído no esquecimento. Se vocês não lerem, outros lerão, e terão mais
conhecimento do que vocês.”
Agora, se o conhecimento não é importante, não há nada a
fazer. E viva a burrice!
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