No Traçando livros de hoje, romance de Andréa del Fuego
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Na minha coluna de hoje no jornal Gazeta do Sul, caderno Mix, escrevo sobre o novo romance de Andréa del Fuego: http://www.gaz.com.br/gazetadosul/noticia/420687-sonhos_sao_sonhos/edicao:2013-08-21.html
Sonhos são sonhos
Andréa del Fuego, nascida São Paulo em 1975, tornou-se um dos grandes nomes da
novíssima geração da literatura de língua portuguesa depois de receber o prêmio
José Saramago pela obra Os malaquias, publicado
em 2010. Flertando com o realismo mágico latino-americano, que muitos dizem
estar morto, del Fuego conta, nesse seu primeiro romance, fatos reais e
ficcionais inspirados na história de sua própria família, mais precisamente os
bisavós.
Se Os malaquias nos permite pensar no
colombiano García Márquez, As miniaturas (Companhia das Letras, 128 páginas) é o romance que o contista mineiro
e principal autor da literatura fantástica no Brasil, Murilo Rubião, não
escreveu. O cenário é o Edifício Midoro Filho, no centro de uma cidade que pode
ser São Paulo ou qualquer outra metrópole brasileira, onde um prédio imponente
com gente tão estranha trabalhando não chamaria a atenção de ninguém que
passasse pela frente e desconhecesse o motivo de sua existência. Lá dentro
trabalham os oneiros, encarregados de conduzir os clientes ao sonho, a partir
do uso de pequenos objetos e de sugestões de palavras. “Na minha gaveta há
dezenas de miniaturas, sozinhas elas não funcionam, há o comando de voz, é
preciso que eu diga uma palavra-chave.” Suas vidas consistem em fazer apenas
isso, nem mesmo nome eles possuem.
Um deles acaba
atendendo duas pessoas da mesma família, uma mulher e seu filho, o que seria
contra as normas do trabalho. Ela, cujo marido sumiu, trabalha como taxista. O
rapaz, Gilsinho, começa a trabalhar em um posto de gasolina cujo gerente, casado, namora sua mãe. A narração é
intercalada pelos dois clientes, os sonhantes, e o oneiro, sendo que os dois
primeiros nunca mencionam que se utilizam dos serviços prestados no Midoro
Filho, o que leva a crer que o fazem apenas em sonhos. O oneiro, ao continuar
sugerindo o que os dois devem sonhar, desrespeita as regras mesmo depois de ser
descoberto e é rebaixado ao cargo de vidento, cuja função é jogar cartas e
aconselhar. “O oneiro vai a uma videnta para que ela o ajude a se olhar, já que
sonhar não é possível.”
No plano da
realidade, a mãe e o rapaz conduzem as suas vidas a partir do trabalho e
estudo. O rapaz sonha, no sentido de desejo, em trabalhar com publicidade e
fotografia. Ela apenas sonha em fazer de tudo por ele, mesmo que no fundo
desejasse viver outra vida: “Não fosse esse menino com dezesseis anos debaixo
da minha saia, eu saía por aí.”
Para entender a
simbologia onírica, Andréa leu Freud, Bachelard e Artemidoro de Daldis,
filósofo grego que inspirou o nome do edifício. Foi ele o primeiro a escrever sobre
a interpretação dos sonhos, a Oneirocritica,
servindo de referência à obra de Freud. Em As miniaturas, não cabe aos oneiros, mas sim ao leitor, buscar
entender as sugestões. É um romance que deveria ser lido no meio da madrugada,
entre um sono e outro, num estado de vigília. Fiz isso e, posso dizer, meus
sonhos foram conduzidos pelo oneiro da história.
Cassionei
Niches Petry é professor, mestre em Letras e escritor. Publicou Arranhões
e outras feridas (Editora Multifoco). Escreve regularmente para o Mix e
mantém um blog, cassionei.blogspot.com, onde inclusive já escreveu sobre seus
sonhos.
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