Ano Cortázar (III)
Casa 3
A primeira parte de Rayuela, “Do lado de lá”, se passa em Paris. Acompanhamos as andanças do protagonista, Horácio Oliveira, pelas ruas parisienses, seu relacionamento amoroso com Maga e os encontros do “Clube da serpente”. Oliveira é um intelectual e ela é uma mulher distante de qualquer conhecimento cultural e que, participando com o namorado dos encontros do clube, sente-se perdida em meio aos debates sobre literatura, pintura e música, principalmente o jazz. Há capítulos primorosos, como o 7, uma declaração de amor sensual como poucas na literatura:
“Toco a tua boca, com um dedo toco o contorno da tua
boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo de minha mão, como se
pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta-me fechar os olhos para
desfazer e tudo recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca
que a minha mão escolheu e te desenha no rosto, uma boca eleita entre todas,
com soberana liberdade eleita por mim para desenhá-la com minha mão em teu
rosto e que por um acaso, que não procuro compreender, coincide exatamente com
a tua boca que sorri debaixo daquela que a minha mão te desenha.
Tu me olhas, de perto tu me olhas, cada vez mais de
perto e, então, brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e
nossos olhos se tornam maiores, aproximam-se, sobrepõem-se e os cíclopes se
olham, respirando indistintas, as bocas encontram-se e lutam debilmente,
mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando
nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um
grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se nos teus cabelos,
acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se
tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de
fragrância obscura. E, se nos mordemos, a dor é doce; e, se nos afogamos num
breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela.
E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu te sinto tremular
contra mim, como uma lua na água.” (Tradução:
Fernando de Castro Ferro)
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