Exercício de roteiro: "A história da pedra"
Cumprindo a promessa aos meus alunos de que iria um dia escrever "A história da pedra", que utilizo na aula de literatura, resolvi fazê-lo em forma de um roteiro de esquete, já que estou me exercitando no ramo e, quem sabe, alguém possa querer filmar. Segue o roteiro:
Por
Cassionei Niches
Petry
INT. DIA. SALA DE
AULA
Uma sala de aula
com 20 alunos adolescentes. O professor, 33 anos, calça jeans e camiseta dos “Engenheiros
do Hawaii”, dá início a uma aula sobre narrativa.
PROFESSOR
Muito bem, alunos.
Nossa aula de hoje será sobre o enredo no gênero narrativo e, conforme prometido,
contarei a “História da Pedra”.
Um aluno
interrompe:
ALUNO I
É a história de um
viciado em crack, sor?
A turma toda ri.
PROFESSOR
Não, não, vocês
sabem que não. (E irônico) Sei que vocês aguardaram ansiosamente por este
momento durante a semana toda, não fizeram mais nada que não fosse pensar na
história, inclusive pesquisaram na internet sobre ela e, logicamente, não
encontraram nada. Estou certo? Os alunos se entreolham e alguns riem. Ninguém
responde.
PROFESSOR
Como vimos, toda a narrativa
tem o seguinte esquema: situação inicial, nó, conflitos, clímax e situação
final. Sem isso tudo, a história não tem graça, não chama a atenção de ninguém.
Ouçam, como exemplo, então, a "História da pedra". (Com voz de
narrador.) Era uma vez uma pedra. Ela vivia na encosta de um morro, parada, quieta,
fazendo seu papel de pedra, que é ficar parada, imóvel, dura, áspera.
Passaram-se os anos e lá estava ela, parada, quieta, imóvel, dura, áspera. E durante
anos, ela permaneceu no mesmo lugar, fazendo seu papel de pedra, que é ficar
parada, imóvel, dura...
ALUNO II
Que história mais
sem graça, fessor! Parece uma novela da Record.
A turma e ri,
alguns acenam com a cabeça, concordando.
PROFESSOR
O que falta então,
alunos?
ALUNO I
Falta ação, sor!
PROFESSOR
É isso mesmo.
Vamos, portanto, para outra versão da história. Segurem-se nas cadeiras. Lá
vai. Há um momento de silêncio. O professor inicia a nova história.
PROFESSOR
Era uma vez uma
pedra. Ela vivia na encosta de um morro, parada, quieta, fazendo seu papel de pedra,
que é ficar parada, imóvel, dura, áspera. Passaram-se os anos e lá estava ela,
parada, quieta, imóvel, dura, áspera. Até quem em uma tarde de primavera, uma
forte tempestade assolou a região. No segundo dia de chuva, quando começou
estiar, a terra que sustentava a pedra começou a ceder. Aos poucos, a pedra foi
rolando ladeira abaixo, como uma bola de futebol em um campo de várzea. (A
partir de agora a voz vai adquirindo velocidade.) Foi rolando, rolando,
rolando, cada vez mais rápido, derrubando arbustos e amassando flores. Logo adiante
um coelhinho -(com voz afeminada) ó, um coelhinho, que amor! - saltitava
comemorando o fim da chuva e a pedra passou por cima dele, esmagando-o,
deixando apenas um rastro de sangue em contraste com os pelos antes
branquinhos, e a pedra foi continuando o seu caminho, sem encontrar obstáculos
que pudesse detê-la, derrubando o que havia pela frente, olha lá, um viadinho -
(com voz afeminada) ó que lindo! saltitante, alegre, feliz - coitado, foi
esmagado, foi sangue, perna, miolos, chifre pra tudo quanto era lado, e a pedra
seguia seu caminho diabólico, quantas formigas não deveria ter matado pelo
caminho?, meu deus!, e rolou mais rápido, mais rápido, se aproximou de uma
pequeno vilarejo, crianças saíam às ruas para aproveitar o sol que surgia depois
da tempestade, não perceberam a enorme bola assassina que se aproximava e matava
a primeira criança, sangue, pernas, braços decepados, cabeça esmagada, mais
outra criança e outra, agora um gordinho de óculos, esse foi mais difícil, mas
também foi esmagado, eram pernas, braços, cabeça, óculos voando pelos ares e
muito, muito sangue, lá adiante um casal de velhinhos atravessava a até aquele
momento pacata ruazinha, e foram também vítimas da perversa bola de pedra, que
não teve penados simpáticos velhinhos e os derrubou, e os esmagou, e arrancou
seus óculos, suas bengalas, suas dentaduras que voaram indo de encontro a uma mulher
que assistia a tudo e disse "ai, que nojo!", e a pedra continuou,
mais rápido, mais rápido até que (agora a narrativa fica mais pausada), mais à frente,
havia uma pequena casinha. Dentro, um m berço.
Dentro do berço, um
bebê recém-nascido, dormindo tranquilamente. A pedra foi se aproximando, se
aproximando, tocou na parede, derrubou-a, atingiu o berço, destruindo-o e passando
por cima da inocente criancinha, que havia recém-feito seu cocozinho. A pedra
ainda derrubou o resto do casebre e só parou com a matança quando encontrou uma
enorme árvore que não conseguiu derrubar. Às suas costas - se é que uma pedra redonda
tem costas - um rastro de destruição, sangue, cocô de criança, cabeças
esmagadas, membros decepados, corpos esmagados, óculos quebrados, bengalas
quebradas, dentaduras quebradas,(com voz afeminada) viadinho esmagado, (idem) coelhinho,
coitado, arregaçado. E chegamos ao fim desta triste história.
Olhos espantados e
um silêncio, interrompido instantes depois pelo aplauso e gritos de um dos
alunos:
ALUNO II
ÊÊÊ! Sangue, hu hu,
yeah! Miolos! Que massa, sor! Que massa! Mais um! Mais um! Hu hu!
FIM
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