Diário crônico XXVII – Projeto Nocilla, de Agustín Fernández Mallo
Costumo
colocar pedaços de papel marcando as páginas onde sublinho ou faço anotações
nos livros que leio, quando faltam os coloridos post-its. Isso denota para mim se o livro é bom ou se pelo menos me
arrancou uma porção de reflexões durante a leitura. Se estou relendo, a
quantidade de papéis dobra, como aconteceu há pouco na releitura do “romance” Nocilla
dream, do escritor espanhol Agustín
Fernández Mallo.
Publicado
por estas bandas pela Companhia das Letras, com tradução de Joana Angélica d’Ávila
Melo, inaugura uma trilogia batizada com o nome do creme de chocolate popular
na Espanha, que corresponde à Nutella que temos por aqui. Dos outros dois
volumes, a Companhia das Letras publicou também o segundo, Nocilla experience, e acredito que deva estar preparando o
lançamento do terceiro, Nocilla Lab.
Coloquei
a palavra romance entre aspas porque, a bem da verdade, a obra não é um
narrativa longa que possa ser classificada como tal. Composta por fragmentos
diversos e não constituindo um enredo, apenas alguns elementos se repetem
durante a história, por exemplo, um álamo à beira de uma estrada americana coberto
por pares de tênis e sapatos. Alguns personagens passam pelo local e dão sua
contribuição jogando seus calçados. É o que dá unidade ao texto. E é a passagem
de um personagem a outro, de um lugar a outro, de uma situação a outra, em capítulos
curtos, que compõe a história ou as histórias.
Há
também citações de outros autores que contribuem de certa forma para o
entendimento da narrativa, levando o romance a ser comparado, pelo menos devido
ao estilo, a O jogo da amarelinha, do
Julio Cortázar. Por exemplo, um estudo de Daniel Arijon sobre os planos
sequência do filme Os pássaros, do Hitchcock,
na cena em que as aves vão chegando aos poucos ao pátio da escola, no meu ponto
de vista explica a estrutura do romance Nocilla
dream. As cenas cortam ora para o plano geral, mostrando os pássaros
pousando nos brinquedos do playground,
ora para o plano mais próximo da personagem Mélanie Daniel (coincidentemente, enquanto
escrevo, um pássaro muito bonito, acho que um pica-pau, pousou sobre o meu
carro na frente de casa. Pelo menos foi somente um). É o que faz Fernández Mallo
na sua ficção ao ampliar e depois diminuir o foco da narrativa, partindo ora
para a coletividade ora para os indivíduos.
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