Diário crônico XXVIII – A Copa da vida
(A crônica de hoje foi publicada ontem no blog da página de opinião do jornal Zero Hora, juntamente com outros textos sobre a Copa do Mundo.)
Popularmente, se diz que religião, política
e futebol não se discute. Não estou de acordo, porque um debate sempre nos
ajuda a construir o conhecimento. Isso, claro, se prevalecer a razão e, por
conseguinte, os debatedores reconhecerem quando estão errados.
Porém, muitos não querem ver ruírem suas
convicções e perderem algo que lhes dá apoio. O religioso busca na fé um
sentido para sua vida. O militante vê apenas no seu partido as soluções para os
problemas de um país. O torcedor jamais vai admitir que seu time esteja inferior
ao outro. Deixam-se levar mais pelo lado emocional e, quando questionados, se
não têm mais argumentos para se defenderem, podem partir para a violência.
No Brasil, de uma forma geral, as
pessoas dificilmente discutem suas crenças religiosas, pois basta a palavra do
padre ou do pastor para sustentar sua fé. No campo político, guiam-se pela
mídia e as pesquisas, não suportam o horário eleitoral e quem se interessa um
pouco mais se torna fanático, principalmente pelo partido que lhes satisfaz os
interesses pessoais. Até aí, a máxima funciona.
Já no futebol, as discussões se espalham por
todo o canto. Todos têm sua opinião e vão até as últimas consequências para
defender seu time, por exemplo. Nem nessa época de Copa do Mundo entram num
consenso, pois cada um tem sua escalação preferida e não nutre a mesma simpatia
pelo treinador. Só na hora do apito inicial todos se unem “numa só emoção”,
como diz o slogan de uma rede de TV.
Esporte curioso, o ludopédio. Sim,
ludopédio. Foi o nome que os gramáticos tentaram colocar no lugar do
estrangeiro foot-ball. Mas num país
que prefere shopping center a centro
de compras (ou slogan em vez de frase
de efeito), lógico que não ia pegar. Aportuguesou-se a expressão, na medida em
que o jogo abrasileirou-se. Da mesma forma, deixou de ser da elite para se
tornar popular e, principalmente, masculino. Aliás, há uma analogia
psicanalítica que tenta entender o interesse do homem por esse esporte: o pé e
a bola são símbolos do órgão sexual masculino, a goleira é o feminino e o gol é
o orgasmo. É o momento de alegria de um lado e o sentimento de perda do outro.
Nesse sentido, o futebol é uma metáfora
para a vida: às vezes ganhamos, outras perdemos; há solidariedade e há
deslealdade; há bondade e há violência; às vezes há jogo limpo, outras vezes há
desonestidade; há tristezas e há alegrias; há tolerância e também preconceito;
existem times pobres, outros ricos e alguns muito ricos; há baixos salários e
há altos salários; erramos, acertamos; brigamos, fazemos as pazes; batemos e apanhamos. Mas
não podemos esquecer: os jogos terminam e se repetem em outros dias, os
campeonatos se repetem todos os anos, a Copa do Mundo se repete a cada quatro
anos. No entanto, a Copa da Vida não tem repetição e é mais real.
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