Diário crônico XXXIV – Cuidado com o escritor frustrado, caro leitor
O
mote não é lá muito incomum. Um escritor se apossa de um manuscrito de outra
pessoa, publica em seu nome e se transforma em um sucesso de crítica e público.
Há poucos dias assisti ao filme As
palavras, dirigido por Brian Klugman. O protagonista
encontra uma obra perdida dentro de uma pasta velha numa loja de antiguidades. Como
não sabe de quem é e teve o seu próprio livro recusado por um editor, resolve
publicar em seu nome. Torna-se um fenômeno de vendas, porém, o verdadeiro autor
acaba aparecendo e lhe conta a história que inspirou o livro. O plagiador, por
isso, deseja se redimir.
A
diferença do romance do espanhol José Ángel Mañas, Soy un escritor frustrado, é a maldade do protagonista e narrador
da história. É um professor de literatura que tenta, sem sucesso, a carreira de
escritor. Não escreve nada interessante e sabe muito bem disso por ser o melhor
crítico literário do seu país e ainda por cima vê outros escritores fazendo
muito bem o que ele não consegue fazer. “No
hay nada tan frustrante como esto: tener que enfrentarse cada día con brillantes
ejemplos de individuos que son todo lo que uno quisiera ser y que han
conseguido todo lo que uno nunca podrá ser.” Como se não bastasse, seu
amigo, a que chama de Mozart, é um escritor em ascensão, o que lhe causa uma enorme
inveja. O epíteto do amigo não é por acaso, visto que o narrador se torna uma
espécie de Salieri, compositor que teria, segundo a lenda não comprovada, envenenado
Mozart por não suportar que seu colega tivesse tido maior reconhecimento.
Quis
o Destino, senhor das coisas inexplicáveis, que caísse nas mãos do professor um
original de uma aluna sua, Marian. Impressionado com a qualidade do texto,
acaba sequestrando a jovem, deixando-a num porão de uma casa afastada da cidade
e sofrendo das mais inumanas condições: amarrada, tendo que comer num prato no
chão como os cachorros e fazer suas necessidades fisiológicas na roupa mesmo. Ele
publica a obra em seu nome e o livro se torna um grande sucesso. Mais tarde,
ainda tenta obrigá-la a escrever novo romance, pois ele precisa entregar ao
editor um novo livro para receber um importante prêmio literário, já assegurado
a ele mesmo antes de escrever, num arranjo comum no meio editorial espanhol.
Marian, porém, resiste, recusando-se a comer e se entregando à Sorte, senhora
que não dá muita bola para sua condição.
Também
adaptado para o cinema, pelas mãos do francês Patrick Bouchitey, Soy un escritor frustrado é o terceiro
romance de Ángel Mañas e foi publicado em 1996. Não deixa frustrado nem o
leitor exigente nem aquele que gosta de um best-seller cheio de emoção e
suspense. Infelizmente nenhuma editora lançou o livro por estas plagas.
Pense
muito bem, caro leitor, antes de deixar um escritor frustrado. Compre sua obra,
comente seus textos, repercuta nas redes sociais, caso contrário ele pode se
metamorfosear num monstro e não responder mais racionalmente sobre seus atos.
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