Devaneios de um sábado improdutivo
A xícara veio direto da cidade de Praga. Mas não,
nunca estive lá. Presente de minha tia, o objeto enfeita minha mesa ao lado do
computador e me remete a duas paixões: o café e a literatura.
Franz Kafka tem um lugar especial no altar das
minhas devoções literárias. Já escrevi tantas outras vezes sobre ele por aqui. Por
isso implorei à minha tia que me trouxesse alguma lembrança dele quando soube
que ela estava visitando a cidade do autor de “A metamorfose”. Pela minha relação com o café, acertou em cheio na
escolha.
Hoje, porém, o texto não é sobre o escritor, mas
sobre o objeto. Por que guardamos objetos aparentemente inúteis como uma xícara
que não será usada para beber café, nem mesmo chá ou água? Por que compramos um
violão que ficará escorado na estante de livros, já que não soubemos tocá-lo? Por
que guardamos óculos antigos, com grossas armações quebradas, já que não vamos mais
usá-los? Por que não jogamos fora as fitas K7 que não encontram mais um
toca-fitas que possibilite rodá-las? Por que preservamos o LP do Enigma se não há
mais agulha no toca-discos? Por que não jogamos fora o toca-discos? E o rádio
de pilha que, de tanto cair no chão por descuido de seu dono desastrado, não
funciona mais, por que ainda permanece fazendo um mudo convite para ser ligado?
Por que
manter dentro da gaveta uma caixinha que servia de porta-clipes, se já temos um
porta-clipes de acrílico que contém também um porta-canetas? E por que ter um
porta-canetas se a xícara também pode ter a mesma função? E por que não jogar
fora as tantas canetas que já não têm mais tinta? Por que não destinar ao lixo
a borracha gasta, que não encontra mais o risco de nenhum lápis ou lapiseira para
apagar? Por que ainda temos aquela lapiseira 0.5, se preferimos usar uma 0.7?
(E por favor, não relacione este 7 a nenhum resultado do futebol.)
Não deveria ser destinado a outro lugar o pen drive
cujo conteúdo não abre mais devido a um vírus? Os disquetes da década passada
que vergonhosamente ainda teimam em povoar as gavetas não deveriam também serem
descartados? E a web cam que não funciona mais? E o mouse já substituído por um
sem fio estaria esperando terminar a pilha do seu xará para assumir mais uma
vez seu posto? E que serventia tem um roteador de internet que não funciona? Ou
os cabos que já não conectam nada?
Engraçado é que as coisas que não usamos permanecem
conosco. Uma caneta ainda em atividade, no entanto, acabamos perdendo com
facilidade, assim como esquecemos o guarda-chuva no ônibus enquanto que em casa
ainda há outro, porém todo quebrado. São um enigma os objetos. É melhor mesmo
deixá-los em paz.
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