Mais dois romances com o Kepesh



As leituras e releituras da obra de Philip Roth me apresentam e reapresentam um escritor espetacular, que vai do engraçado ao trágico, do religioso ao antirreligioso, do casto ao erótico. Apenas uma coisa me parece que perpassa todos os livros: a condição judaica. De resto, a temática é ampla e variada, com algumas obsessões permanentes.
Depois de O seio, sobre o qual escrevi aqui, enveredei por outros dois romances que têm o mesmo David Kepesh como protagonista. O professor do desejo (Companhia das Letras, 256 páginas, tradução de Jorio Dauster), publicado originalmente em 1977, conta a infância, adolescência e início da idade adulta, num momento um pouco anterior ao enredo de O seio. A família, suas aventuras eróticas na Europa, a primeira mulher, as aulas na universidade, a carreira inicial de professor, as referências à Kafka e outros escritores, a segunda mulher e o contato com o psicanalista são fatos que se desenrolam numa agilidade narrativa que simboliza muito bem as ansiedades de Kepesh. Sexo e literatura, não necessariamente nessa ordem. Achei curiosa uma das análises do professor sobre a obra do Kafka: “Às vezes me pergunto se O Castelo não está realmente ligado ao bloqueio erótico de Kafka – um livro que se relaciona em todos os níveis com a incapacidade de se atingir o clímax.” O narrador-personagem também conta um engraçadíssimo sonho com uma velha prostituta que teria prestado serviços sexuais ao autor de A metamorfose.
Em O animal agonizante, (Companhia das Letras, 128 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto), de 2001, temos um David Kepesh bem mais velho, perto dos setenta anos, solteiro e ainda conquistador, famoso como crítico cultural na imprensa e professor adorado. Sempre no final do semestre, para se despedir dos alunos, promove uma festa em sua casa, na verdade com o intuito de “pegar” alguma aluna (bem mais nova), já que seu “código de ética” não o permite fazê-lo durante o decorrer do curso. Acaba conquistando Consuela Castillo, descendente de cubanos, jovem de vinte e quatro anos, por quem se apaixona. Vivem o relacionamento durante algum tempo, mas depois se separam. Nesse período, Kepesh reflete sobre sua velhice (boa parte dos últimos de Roth trazem esse tema) e seus relacionamentos sexuais. Consuela retorna anos depois para lhe revelar algo importante e é aí que o título do romance se justifica e não pela velhice de David, como pensamos num primeiro momento. A narrativa, mais lenta e curta do que O professor do desejo, revela um personagem mais calmo e tentando se conformar com o fim da vida, apesar de sofrer com essa condição.

O animal agonizante foi adaptado para o cinema, com o título Fatal, trazendo Penélope Cruz no papel de Consuela. Não assisti ainda, mas, tão logo o faça, comento por aqui.

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