Em busca da leitura perdida
Uma menina está perdida no seu século à procura do pai (Companhia
das Letras, 240 páginas) é o mais recente romance de Gonçalo M. Tavares. Já
é um clichê, mas inicio esta resenha como várias outras que li sobre o autor,
lembrando o depoimento do Prêmio Nobel José Saramago afirmando que seu
conterrâneo será o próximo português a receber o grande prêmio da literatura
mundial e que tinha vontade de bater nele, de tão bem que escreve.
Em relativamente pouco tempo de carreira, o escritor
publicou muitos livros, numa média de dois por ano. Recebe elogios exacerbados
dos críticos, mesmo em publicações medianas, cuja prosa experimental deixa
muito a desejar. É no romance que o autor vem escrevendo boas coisas e não é à
toa que a exigente Companhia das Letras vem publicando apenas as narrativas
longas, deixando as outras editoras com os demais gêneros.
Em Uma menina está
perdida no século à procura do pai, temos a história de Marius, que encontra
uma jovem (rapariga, para os portugueses) de 14 anos portadora da síndrome de
Down, chamada Hanna, parada em uma rua, em meio aos escombros de uma cidade da
Europa pós-Segunda Guerra Mundial. Ela carrega uma caixa com uma espécie de
manual de orientações de como se deve cuidá-la e de aprendizagem de coisas do
cotidiano: como colocar a roupa, escovar os dentes, etc. Uma das poucas frases
que ela diz, todas decoradas, é que está à procura do pai. A cena lembra o
início do filme O enigma de Kasper Hauser.
Apesar do título, o protagonista do romance de Gonçalo M.
Tavares não é a menina, mas sim o homem que, ao contrário dela, não sabe o que
busca. Quem parece estar perdido é ele e Hanna, de certa forma, se torna seu
guia para encontrar algum sentido em sua existência.
No decorrer desta busca, algumas cenas estranhas vão se
sucedendo, assim como a troca do narrador, ora em 3ª pessoa, ora na 1ª, no
ponto de vista de Marius. Quando chegam a Berlim, se hospedam em um hotel cujos
quartos não têm números e são identificados com os nomes dos campos de
concentração dos nazistas. Quanto aos personagens estranhos, um deles, dono de
um antiquário, escreve uma sequência de números infinitos em caderno, dando
continuidade ao trabalho do seu avô e de seu pai. “Trata-se simplesmente de
continuar, apenas continuar”, se justifica. Outro homem, por sua vez, escreve
frases, além de fazer pinturas e esculturas, que podem ser vistas apenas
através do microscópio. A olho nu, se enxerga apenas uma linha ou um ponto:
“Era um artista.
Passou-me um cartão para a mão. Não consegui ler. O cartão tinha uma mancha, e
uma linha no seu centro, mas nenhuma letra. O que eu via era um pequeno cartão
todo branco com uma pequeníssima e fina linha preta no meio.
− É o meu nome que
está aí escrito: Agam Josh.
O homem explicou-me,
apontando a linha preta, como se estivesse a ler o nome:
____________
Agam Josh – Artista.”
Se no final Hanna acha ou não seu pai, isso não importa
muito. Se Marius encontra algo, também não interessa. Se ambos estão procurando
algo em meios aos escombros, nós leitores também tentamos buscar alguma coisa
em meio aos fragmentos de uma narrativa nada convencional. Por isso lemos: para
buscar e, talvez, não encontrar. Se encontrarmos, não há porque continuar
lendo. A boa literatura é aquela que nos deixa perdidos.
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