“Página infeliz de nossa história”
Assim como Fidel Castro, a presidente não gostaria de ter
oposição. Qualquer pensamento contrário ao governo é visto como “golpe”,
“ódio”. Como não podem prender ou pôr em um paredão de fuzilamento quem é
crítico do governo, o recurso utilizado é humilhá-lo publicamente, como fizeram
há pouco dias com o ator e diretor de teatro Cláudio Botelho, que ousou, a
partir da arte, ou seja, de forma velada, sem citar nomes, como Chico Buarque
havia feito em “Apesar de você”, e dentro de um texto poético, levantar sua
voz. Foi vaiado por uma boa parte da plateia (até aí normal dentro de um
espetáculo que não agrada ao público) e impedido de dar prosseguimento ao
espetáculo, que acabou tendo que ser cancelado, sob os gritos de ordem dos
defensores governistas, “não vai ter golpe”.
Como se não bastasse, seu desabafo com uma colega no camarim
foi gravado. Ao dizer a expressão “nego”, hoje vista como politicamente
incorreta (mas que serve tão somente para designar uma pessoa, algo como
“cara”, “indivíduo”, segundo o Dicionário Houaiss), o ator foi tachado como
racista por um grupo de mídia alternativa que, mesmo sendo criado para se
contrapor à manipulação da grande imprensa, usa do mesmo recurso para
estabelecer seu ponto de vista. Uma “Extraordinária e Eficaz Máquina para
Fabricar Calúnias”, nas palavras de Cabrera Infante. Para piorar, Chico
Buarque, cujas músicas eram a inspiração da peça, proibiu que sua obra fosse
utilizada, logo ele que foi censurado durante a ditadura. Por tudo isso, a
vítima da humilhação teve que pedir publicamente ao compositor oficial do
governo brasileiro um “meu caro amigo me perdoe, por favor”. Em Cuba, chamariam
essa atitude de ato de contrição política, de acordo, mais uma vez, com Cabrera
Infante, que morreu no exílio em 2005.
Tempos confusos estes em que vivemos. Aqueles que lutaram
contra o poder hoje o defendem e usam desse poder para coagir os demais.
Escritores assinam manifestos em defesa de um governo corrupto e reagem
fortemente contra quem deseja ver na cadeia o seu líder maior que está sendo investigado
pela polícia federal. Manifestantes saem às ruas desejando a morte de um juiz
que ousou “peitar” um partido e usuários de redes sociais são humilhados por
pensar por conta própria, não sendo subservientes ao seu Messias e seguidores.
O que há de diferente de uma ditadura militar ou de uma
ditadura cubana é que os que estão no governo não têm, pelo menos até agora, o
apoio necessário para se perpetuar no trono. Não me espantaria, no entanto, se
conseguissem, pois, mesmo depois de todos os escândalos envolvendo a alta
cúpula petista, o dinheiro e as promessas de cargo para os partidos continuam
sendo usados para evitar o impeachment. Como cantaria o Chico Buarque em outra
época, estamos vivendo em mais uma “página infeliz de nossa história”. Ou não
posso utilizar seus versos, meu caro Chico?
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