Histórias ordinárias
Winesburg, Ohio,
lançado em 1919, é o livro mais conhecido de um escritor que, pelo menos para
nós, ainda é bem desconhecido, Sherwood Anderson (1876-1941). Em que pese não
ter o mesmo sucesso de seus contemporâneos, ele os influenciou bastante, como
atestou William Faulkner em uma de suas entrevistas. Mais tarde, Ray Bradbury
afirmou, no seu livro de ensaios Zen e a
arte da escrita, que se inspirou no livro de Anderson para escrever suas Crônicas marcianas.
Temos aqui um
conjunto de contos que poderia ser um romance cujo protagonista é a cidade de
Winesburg e seus habitantes. George Willard, um jovem repórter do jornal local,
é o personagem que aparece em todas as histórias, apenas citado ou diretamente
envolvido. Aspirante e escritor, tudo nos leva a crer que é ele que escreve as
histórias anos depois de sair da cidade, numa espécie de acerto de contas com
seu passado.
O primeiro conto, “Os
relatos e as pessoas”, traz um episódio da vida de um velho escritor (os velhos
são presença constante nas histórias) que chama um carpinteiro para tornar sua
cama mais alta para que possa, deitado, observar as árvores, já que as janelas
são muito altas. Já acomodado, começa a ter “um sonho que não era um sonho”. Vê
as pessoas que passaram em suas vidas e as considera grotescas. Levanta-se e
põe-se a escrever “O livro dos grotescos”, que bem poderia ser o livro que
passaremos a ler daí por diante, não porque os personagens sejam realmente estranhos
ou ridículos, mas sim porque, segundo a teoria do escritor ancião, “sempre que
alguém se apropriava de alguma verdade, a chamava de sua verdade e tratava de
reger sua vida por ela, se convertia em um ser grotesco e a verdade que havia
abraçado se transformava em uma falsidade”.
No segundo conto, por
exemplo, uma figura conhecida da cidade por ter enormes mãos não gosta de falar
sobre elas porque, no passado, em outra cidade, sofreu uma enorme injustiça. É
um conto tocante, que mostra como uma falsa percepção da verdade transforma uma
vida. Nesse caso, a fantasia de um aluno apaixonado por seu mestre cria um
mostro abusador que usaria suas mãos para fins nada positivos e essa verdade
construída passa a ser a verdade para as outras crianças e, por fim, para os
pais.
O melhor conto do
livro se chama “A força de Deus”. Conta a história de um reverendo de uma
igreja presbiteriana que espia, através de uma janela da igreja, a uma mulher seminua
em sua cama numa casa vizinha, mas se sente culpado por isso. Essa mulher,
professora solteira, aparece no conto seguinte e se mostra apaixonada pelo seu
ex-aluno, o jovem Willard. Há também o curioso relato do médico que fazia
pílulas de papel.
São, portanto,
histórias ordinárias de uma cidade fictícia do interior do Estados Unidos (não
é a cidade homônima do mesmo estado americano) do início do século XX. Um belo
livro, infelizmente esgotado nas livrarias brasileiras. A edição mais recente
foi da L&PM, nos anos 80.
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